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Trump e Kamala: Um Debate Preocupante

José Filipe Pinto, Professor Catedrático de Ciência Política na Universidade Lusófona

Os principais temas abordados foram aqueles que os americanos queriam ver debatidos: o aborto, a imigração, a habitação e as medidas económicas, designadamente a questão da inflação, sem esquecer o ataque ao Capitólio.

Na véspera do vigésimo-terceiro ano em que ocorreu o ataque terrorista ao coração da América, os holofotes estiveram focados no debate entre Donald Trump e Kamala Harris. Um debate importante, embora a vitória nos debates não signifique necessariamente o triunfo eleitoral. Que o diga Hillary Clinton que, depois de ter derrotado Donald Trump nos debates acabou por ver o seu adversário chegar à Casa Branca.

A importância do debate decorria, sobretudo, de três elementos.

Primeiro, um dos dois participantes será o próximo Presidente do país que, malgrado ter perdido a hegemonia mundial, lidera a Ordem Liberal em que o Ocidente e países como a Austrália, o Japão e a Nova Zelândia se reveem.

Segundo, a sessão acontecia na Pensilvânia, o mais importante dos Estados roxos, ou seja, aqueles em que o azul democrata e o vermelho republicano se misturam em porções tão próximas que só depois de contados os últimos votos se saberá a tonalidade do produto final.

Terceiro, porque era a primeira vez em que Kamala debatia com Trump e importava perceber a forma como a ainda vice-Presidente reagia no papel que o partido lhe confiou quando deixou de acreditar na reeleição de Joe Biden.

Quanto ao debate em si, já se previa que não andaria longe de um monólogo em voz alta em que cada um dos intervenientes aproveitaria o seu tempo de antena para colocar o enfoque no perigo que o adversário representava, mais do que na apresentação de propostas próprias. Até porque, nenhum deles parecia dispor de um leque de ofertas suficientemente vasto e passível de atrair os eleitores ainda indecisos.

A forma como decorreu o debate confirmou isso mesmo. Kamala usou a iniciativa do aperto de mão inicial para tentar esconder o nervosismo. Algo que não conseguiu de imediato, fruto do reduzido ativo que granjeou enquanto vice-Presidente de Biden e do passivo que acumulou, designadamente no que concerne à alteração de posição em assuntos que dizem muito à maioria dos americanos, como são os casos da exploração do petróleo de xisto e a imigração.

Porém, ao longo do debate, quando teve o microfone desligado Kamala recompôs-se. As suas reações faciais às palavras de Trump valeram mais do que o discurso. A linguagem não-verbal de Kamala enervou o adversário que se viu obrigado a provar do veneno com que habitualmente derrota os oponentes, ainda que Trump prefira misturar as palavras e os gestos.

Os principais temas abordados foram aqueles que os americanos queriam ver debatidos: o aborto, a imigração, a habitação e as medidas económicas, designadamente a questão da inflação, sem esquecer o ataque ao Capitólio.

Pelo meio, os noventa minutos ainda permitiram uma incursão sobre a solução que cada candidato propõe para os conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia. Uma viagem breve, porque os eleitores só se preocupam com os conflitos no exterior do país quando há militares norte-americanos no terreno.

Temas que levaram a frequentes acusações do foro pessoal e que os candidatos não aprofundaram devidamente preferindo saltar para os assuntos passíveis de denegrir a imagem do outro.

Dizer que Trump continuou a chegar atrasado ao encontro com a verdade, apesar de corresponder à realidade, torna-se desnecessário. Essa foi, é e será sempre a sua marca pessoal. Daí a criação de uma realidade paralela com a qual se sente confortável.

Afirmar que Kamala não conseguiu distanciar-se o suficiente da política do Biden é reconhecer o inevitável. De facto, não é fácil à candidata apagar a figura de vice e assumir a de Presidente num tão curto espaço de tempo, apesar de estar a ser bem-aconselhada.

Face ao exposto, embora reconhecendo que Kamala superou as expectativas iniciais e venceu, ainda que não por knockout, um Trump que mostrou que, com a idade, não são apenas as articulações que perdem flexibilidade, poucas dúvidas restam de que os Estados Unidos e a Ordem Liberal têm redobrados motivos para estarem preocupados.

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