Credibilidade das eleições sob ameaça em todo o mundo. A participação eleitoral global cai 10 pontos percentuais entre 2008 e 2023
A categoria da democracia relacionada com as eleições livres e justas e a supervisão parlamentar sofreu em 2023 o seu pior ano desde que há registos, num contexto de crescente intimidação governamental e irregularidades nos processos eleitorais, de acordo com um relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International IDEA).
As ameaças de interferência estrangeira, a desinformação e a utilização de inteligência artificial nas campanhas têm aumentado os desafios eleitorais. Os declínios abrangem democracias tradicionalmente fortes e também governos frágeis de todo o mundo, revela o estudo da IDEA.
A credibilidade das eleições está sob ameaça à escala mundial, uma vez que há menos pessoas a votar e os resultados são cada vez mais contestados. Este ano, quase um em cada três eleitores vota em países onde a qualidade das eleições é pior do que há cinco anos.
A deterioração na qualidade das eleições é parte de uma tendência global de democracia sob pressão, com 47 % dos países a registarem um declínio em pelo menos um indicador fundamental do desempenho democrático ao longo de cinco anos, com base em categorias que vão das liberdades civis à independência judicial, afirma o relatório da organização intergovernamental sediada em Estocolmo.
O ano de 2023 foi o oitavo consecutivo em que mais países apresentaram um declínio em vez de uma melhoria no desempenho democrático geral, a queda contínua mais longa desde que começaram os registos do International IDEA em 1975, de acordo com o The Global State of Democracy 2024 Report (GSoD): Strengthening the Legitimacy of Elections in a Time of Radical Uncertainty. (Relatório sobre o Estado Global da Democracia 2024 (GSoD): Fortalecer a legitimidade das eleições em tempos de incerteza radical.)
“Este relatório é um apelo à ação para proteger as eleições democráticas”, afirmou o Secretário-Geral do International IDEA, Kevin Casas-Zamora. “As eleições continuam a ser a melhor oportunidade para acabar com o retrocesso democrático e inverter a maré em benefício da democracia. O sucesso da democracia depende de muitos fatores, mas torna-se completamente impossível se as eleições falharem.”
O desempenho democrático dos Estados Unidos da América recuperou nos últimos 2 anos, mas a tentativa de assassinato do ex-Presidente Donald Trump realça a continuação dos riscos. As pontuações em matéria de eleições credíveis, liberdades civis e igualdade política ainda não regressaram aos níveis elevados anteriores a 2016. Menos de metade (47 %) dos americanos disseram que as eleições de 2020 foram “livres e justas”, e o país continua profundamente polarizado, de acordo com outro estudo do International IDEA.
O relatório GSoD também destaca desenvolvimentos positivos para a democracia. As eleições têm sido cruciais em muitas histórias de sucesso recentes, inclusive na Índia, na Polónia e no Senegal. Outros países registaram melhorias mais gerais na qualidade democrática, incluindo o Brasil, a República Dominicana e as Fiji.
O Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral ( International IDEA ) é uma organização intergovernamental de 35 Estados-Membros com o objectivo de apoiar e promover a democracia em todo o mundo.
Uma em cada três eleições sofreu algum tipo de contestação, desde boicotes a desafios jurídicos
À escala global, em quase 20% das eleições entre 2020 e 2024, um dos candidatos ou partidos derrotados rejeitou ou contestou os resultados, e há eleições que estão a ser decididas pela via judicial numa proporção idêntica. A percentagem média global da população em idade de poder votar e que, de facto, vota diminuiu de 65,2 % em 2008 para 55,5 % em 2023 (ver a figura 1).
Apenas um em cada quatro países está a fazer progressos no desempenho democrático, ao passo que quatro em cada nove estão em situação pior.
Em 2023, o indicador de eleições credíveis foi significativamente mais baixo do que em 2018 em 39 países (21 em África). Apenas 15 países conseguiram pontuações mais altas do que cinco anos antes.
Os declínios concentraram-se mais nas categorias da representação e dos direitos. No âmbito da representação, os fatores das eleições credíveis e do parlamento eficaz foram os que mais baixaram, ao passo que a igualdade económica, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são os aspetos mais negativamente afetados dos direitos.
Contexto
O Relatório sobre o Estado Global da Democracia 2024 classifica os países em quatro categorias principais de desempenho democrático, em vez de uma classificação geral. Essas quatro categorias são as seguintes:
Representação – que inclui as eleições credíveis e a supervisão parlamentar eficaz;
Estado de Direito – por exemplo, a independência judicial e a medida em que as pessoas estão livres de violência política;
Direitos – incluindo a liberdade de expressão e a liberdade de reunião; e
Participação – em que medida estão os cidadãos envolvidos na expressão democrática durante e entre eleições.
Regiões
África – O desempenho democrático na maioria dos países tem-se mantido estável nos últimos cinco anos. A principal exceção regional, contudo, é o Sael, onde há países afetados por golpes de Estado, como o Burquina Faso, que registaram declínios.
Vinte e um países sofreram quedas significativas na credibilidade das eleições. A pontuação média em matéria de participação em África diminuiu entre 2018 e 2023, embora muitos países tenham um desempenho mais elevado nessa categoria do que noutras. Tanto o Burundi como a Zâmbia registaram melhorias significativas nos seus desempenhos em vários fatores, em comparação com 2018, embora com base num ponto de partida baixo no caso do Burundi.
Ásia Ocidental – A região continua predominantemente a não ser democrática, com os países a registarem poucos declínios ou melhorias entre 2018 e 2023. Mais de um terço da região apresenta um desempenho baixo em todas as categorias de desempenho democrático, destacando-se neste aspeto a representação (64 % dos países da região apresentam um desempenho baixo nesta categoria).
Europa – Há mais países em declínio do que em progresso relativamente a dois terços dos aspetos da democracia medidos, com saldos negativos particularmente sombrios quanto ao Estado de Direito, bem como às liberdades civis e ao acesso à justiça. Somente em duas categorias, igualdade de género e parlamento são eficazes, são mais os países em progresso do que em declínio nos últimos cinco anos. Embora a Europa Central seja responsável por mais de metade dos avanços significativos na Europa (com o Montenegro e a Letónia na linha da frente), a Moldávia, um país da Europa do Leste, destaca-se com o maior número de avanços na Europa.
Américas – A maioria dos países manteve um nível estável de desempenho democrático ao longo dos últimos cinco anos. Porém, tem havido declínios em vários países de desempenho médio e baixo, como o Peru, bem como em países de desempenho elevado, como o Uruguai.
Há mais países a registar declínios líquidos (com perdas em mais áreas do que aquelas em que registam progressos) do que avanços líquidos. O Estado de Direito destaca-se pelo grande número de países em declínio nessa área.
Outras áreas com tendências negativas incluem os partidos políticos livres, o governo eleito, o parlamento eficaz, as liberdades civis, em especial a liberdade de imprensa, e a igualdade económica.
Ásia e Pacífico – A maioria dos países registou pequenas descidas ou manteve-se relativamente estável ao longo dos últimos cinco anos. A maior parte dos declínios num período de cinco anos nas medições da representação ocorreu nas áreas das eleições credíveis e do parlamento eficaz, com esta última a registar declínios no Japão, no Quirguistão, no Nepal e na Coreia do Sul. Apenas as Fiji, as Maldivas e a Tailândia registaram melhorias claras nos índices.
A tendência levemente descendente não se limitou a países de desempenho baixo como o Afeganistão e Mianmar (países que sofreram os piores declínios líquidos da região), uma vez que vários países de desempenho médio, como o Quirguistão, estão todos a registar declínios líquidos em vários indicadores.