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Reagan – cultura e sinais dos tempos

Guiomar Macedo, Escritora, Fadista

Se no tempo de Reagan a guerra fria opunha o comunismo russo à democracia ocidental e norte-americana, os confrontos de hoje são mais complexos e multipolares. Mas se as guerras são novas, os conflitos são velhos. Confrontam-se autocracias e democracias, pela liderança, pela riqueza e pelo poder. E confrontam-se as ideologias religiosas, que opõem uma fação islâmica ao judaísmo do atual Israel.

Fui ver o filme Reagan, que estreou há dias em Lisboa. Com realização de Sean McNamara e com Dennis Quaid no papel principal, é um filme sobre Ronald Reagan: a vida (1911-2004), o trabalho e o impacto da sua presidência (1981-1989).

Começou a ser filmado no dia 9 de setembro de 2020, e era para ter estreado em 2021, não fosse ter acontecido a pandemia Covid19, pelo que estreou apenas no dia 30 de agosto de 2024. Coincidência ou não, em fevereiro de 2023 estreou o filme Golde, sobre Golde Meier e a guerra de Yom Kippur, iniciada a 6 Outubro de 1973. Israel foi atacado no dia 7 outubro de 2024.

Ronald Reagan soube detetar a ameaça que o comunismo constituía para a democracia e para os EUA em particular. O filme conta-nos como se superaram os desafios de então. Sem a clarividência de Ronald Reagan, a realidade da América, e provavelmente da Europa, poderia ser hoje bem diferente.

O timing é perfeito e compreensível: com as eleições à porta e com toda a pressão que enfrentam devido à sua relação com várias frentes de guerra, que estão infelizmente a decorrer, é natural que os Estados Unidos sintam necessidade de olhar para trás, para momentos decisivos do passado em que conseguiram enfrentar a adversidade e vencer, para reforçar a sua moral e sensibilizar o mundo para as ameaças que vêem e sentem.

Não há dúvida que o mundo de hoje se depara com novas guerras, desafios e perigos. Se no tempo de Reagan a guerra fria opunha o comunismo russo à democracia ocidental e norte-americana, os confrontos de hoje são mais complexos e multipolares. Mas se as guerras são novas, os conflitos são velhos. Confrontam-se autocracias e democracias, pela liderança, pela riqueza e pelo poder. E confrontam-se as ideologias religiosas, que opõem uma fação islâmica ao judaísmo do atual Israel.

O ódio leva a querer destruir o outro, um outro que é sentido como diferente, como ameaça ou como opressor. Impera a morte e o medo. A lei da guerra é a lei do mais forte, daquele que é capaz, de alguma maneira, se impor ao outro; o vencedor ao vencido. Todos apresentam as suas razões, mas o seu coração está endurecido e ensurdecido pela desumanidade. Sem embargo, a lei do amor continua a perguntar, a todos e a cada um, “onde está o teu irmão”?

A básica mesquinhez, a ganância e vontade de expansão, é sobejamente conhecida. Mas o que leva povos adoradores do mesmo Deus de Abraão a querer destruir outros povos, criados da mesma forma, ainda que seguindo religiões com características e contornos diferentes? Mistura-se o instinto de sobrevivência com a luta pela ideologia, a identidade e a busca de sentido. Por outro lado, se a Palestina correspondia à província romana da Judeia, da tribo de Judá, onde estão as outras onze tribos? Que faz o Povo eleito, esse irmão mais velho nesta fé no Deus único, da sua eleição?

Num mundo cada vez mais globalizado, os males de uns, são cada vez mais os males de todos. O planeta é um só, bem como a humanidade, que vive num mesmo tempo e lugar. Por isso num mundo cada vez mais globalizado já não basta vencer, é preciso convencer, ou seja, vencer com.

Porque não basta viver, é preciso conviver, ou seja, viver com. A paz é do interesse de todos, e para isso todos têm que ser incluídos, respeitados e valorizados. Mas também todos têm de procurar contribuir para a viabilidade real da vida e da paz. É fácil passar de vítima a “vitimizador”, de oprimido a opressor.

A vida não pode ser ou um ou o outro, mas sim um e o outro. Se fosse para sermos todos exatamente iguais, quais bonecos em série, não teríamos sido feitos todos um pouco diferentes.

Justificar a guerra com a religião é o mesmo que querer justificar a sujidade com o sabonete ou a fome com o sabor da comida. O que não há dúvida é que este mundo tem fome de paz.

Ora só se resolvem bem os problemas relacionais, das pessoas ou dos povos, de duas maneiras: querendo ir ao cerne das questões, disposto a dialogar com os intervenientes, ajustando perspetivas e refazendo laços. Ou então, simplesmente, tendo percebido qual o caminho com futuro, cada um simplesmente aceitar convergir para o mesmo, deixando o passado para trás e fazendo melhor para a frente. Mas como os atores do poder do momento não parecem ainda ter chegado a nenhum destes pontos, este filme vem fazer notar a toda a gente que voltamos a viver tempos de ameaça e de guerra.

Vale bem a pena pensar nisto: queremos a guerra ou queremos a paz? Que mundo andamos a construir? Possamos e saibamos construir a paz que pedimos e de que precisamos, nas palavras de Sophia de Mello Breyner, a paz sem vencedores e sem vencidos.

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