Narciso e Goldmund, de Hermann Hesse, publicado pela editora D. Quixote ( 2016), tal como a maioria das obras de Hesse, centra-se na busca do conhecimento interior dos seus protagonistas, assim como na procura da união dos opostos.
Prémio Goethe e o Nobel de Literatura (1946) revela nas suas obras uma constante busca de equilíbrio entre a vida activa e a contemplativa. No livro de Hesse, Narciso é professor em Mariabronn, um convento emblemático da Alemanha medieval, e Goldmund o seu discípulo favorito.
Enquanto Narciso permanece isolado do mundo, em voto de devoção, levando uma vida de oração e meditação, Goldmund decide sair do convento a fim de explorar a vida mundana e o amor. Após percorrer um caminho pícaro e errante de andarilho, cheio de venturas e amores pelas mais variadas mulheres que resultaram ora em dor ora em paixão, o seu regresso e derradeiro reencontro com Narciso traz à tona as diferenças entre ambos – um o artista, o outro o pensador.
Narciso é um noviço culto e racional, com alto nível de erudição, fruto de longas horas de estudo. Embora pouco mais velho, é professor de Goldmundo, um jovem belo e audacioso de dezoito anos que, por imposição do seu pai acaba de chegar ao convento e dedicar a vida a Deus em expiação dos pecados da sua mãe, que o abandonara em criança. No convento situado num país da Europa Central, na época medieval, encontramos os protagonistas deste livro, cujos nomes dão título ao mesmo.
Sendo ambos muito diferentes, demonstram curiosidade e admiração recíprocas, numa dualidade entre o racional e o emocional; o conhecimento e a sensibilidade; o ascetismo e a libertinagem. Com o despertar da vida adulta, irrompe em Goldmund profundas inquietações existenciais, de carácter sexual e, sem ele se dar conta, maternal.
Após uma estada curta no convento, o jovem em fase de descobertas é encorajado por Narciso, seu mentor e amigo, a ir correr mundo, pois a vida monacal não seria adequada para ele.
Na hora da despedida, Narciso diz a Goldmund: «a nossa amizade não tem outro objectivo nem outro sentido que não seja mostrar-te até que ponto somos absolutamente diferentes um do outro».
Estes dois opostos são atraídos quase que magneticamente e passam a representar os arquétipos de Apolo e Dionísio, de Vishnu e Shiva no contexto do romance.
«Há apenas uma paz que constantemente exige de nós um esforço incessante, uma paz que, dia após dia quer e tem de ser reconquistada. Tu não me vês lutar, desconheces os meus combates, tanto nos estudos como na cela de orações. É bom que não os conheças. Apenas vês que sou menos sujeito à oscilação de humores do que tu e julgas que vivo em paz. Mas é luta, como toda a vida que se preza, como a tua também. (…)
«O pensar nada tem a ver com a imaginação. Ele não se processa em imagens, mas sim em conceitos e fórmulas. Justamente onde as imagens não acabam, começa a filosofia. Foi sobre isso que tantas vezes discutimos quando éramos jovens. (…) Vais compreender já de seguida. Escuta: o pensador procura reconhecer e representar a essência do mundo através da lógica. Ele está consciente de que o nosso intelecto e a sua ferramenta, a lógica, são instrumentos imperfeitos, tal como o artista inteligente sabe, certamente, que o seu pincel ou o escopro nunca irão conseguir expressar a essência radiosa de um santo ou de um anjo. E, contudo, ambos tentam fazê-lo, tanto o pensador como o artista, cada um a seu modo. (…)
«Talvez o medo da morte fosse a raiz de toda a arte (…) e até mesmo de todo o espírito. Tememo-la, estremecemos perante a transitoriedade de tudo, com pesar assistimos ao murchar das flores e ao cair das folhas, sentindo no próprio coração a certeza de que também nós somos efémeros e em breve murcharemos. Mas se criamos imagens, como os artistas, ou elaboramos leis e formulamos pensamentos, como os pensadores, fazemo-lo apenas para salvar algo no turbilhão da grande dança macabra, para apresentar algo duradouro de nós próprios».
Só Deus é o Ser perfeito, completo, tudo o mais que existe é contingente, uma mera possibilidade, um “eterno devir”.
Na vida caminhamos em busca da Verdade, da Perfeição, do Belo e do Bem, destes conceitos nos vamos aproximando e realizando, embora saibamos que nunca os conquistaremos no seu todo.
Hermann Karl Hesse, nasceu a 2 de Julho de 1877, na Alemanha e faleceu no dia 9 de Agosto de 1962, na Suíça. Filho de pais missionários protestantes (pietistas) que tinham pregado o cristianismo na Índia.
Estudou no seminário de Maulbron em 1891, mas não seguiu a carreira de pastor, como era vontade de seus pais. Recusou a religião cristã, ainda adolescente, rompeu com a família e emigrou para a Suíça, em 1912, onde trabalhou como livreiro e operário, acumulando uma sólida cultura autodidata pelo que decidiu dedicar-se à literatura.
Em 1911 visitou a India, conheceu a espiritualidade oriental, ficou fascinado com a vida de Buda na sua busca pela iluminação o que o levou, anos mais tarde, em 1922, a escrever o livro Siddhartha.
No início da Primeira Guerra Mundial sofreu uma crise emocional, conheceu a psicologia analítica de Carl Gustav Jung, influências que foram decisivas no posterior desenvolvimento da sua obra, uma constante busca de equilíbrio entre a vida activa e a contemplativa.