Rui Gonçalvez

OU SE DEMITE… OU SE DEMITE

Rui Gonçalves, arquitecto

Considero Montenegro um mau governante, sem visão, sem uma estratégia para o país, sem capacidade para o lugar que ocupa e sobre isso não tenho dúvidas. Mas tenho horror a ver os diversos patamares da estrutura do Estado a serem ocupadas por gente inútil, sem qualquer habilitação, sem profissão, ou dimensão política ou intelectual, para exercer qualquer cargo e isso aflige-me.

Não é novidade para ninguém minimamente informado, as ligações e interações entre os grandes escritórios de advogados deste país e o poder, leia-se, governo, Câmaras e outras estruturas do Estado. São esses escritórios sistematicamente chamados a dar pareceres, apoio jurídico nas mais diversas circunstâncias e transações e inclusive a criar legislação, que obviamente é elaborada de forma a deixar lacunas que um dia virão a ser aproveitadas quando esses mesmos escritórios estiverem do outro lado da barricada a litigarem contra o Estado, em defesa de interesses de empresas suas clientes.

É exatamente assim, advogados que hoje estão do lado do Estado, amanhã estão contra ele e vice versa. Ora, não é por acaso que ministros dos vários partidos da área da governação -PS, PSD e do CDS- e não vale a pena descriminar nomes, porque são às centenas, transitam do governo para esses escritórios e o contrário, veem desses escritórios para o governo e está assim montado o carrossel da defesa de interesses obscuros, ou se quisermos utilizar uma terminologia mais usada, as tais portas giratórias entre o Estado e os interesses privados, em que o perdedor é sempre o mesmo, exatamente o Estado, ou seja, o português contribuinte.

No meio de toda esta chafurdice interesseira, há alguns destes grandes escritórios que faturam anualmente dezenas de milhões de euros dos cofres do Estado, para defenderem os interesses que obviamente são dos seus clientes particulares e empresariais. Evidentemente que quando entram no governo, fazem-no com uma missão bem definida, e não raramente são pagos para isso pela “porta do cavalo”, salvaguardar o interesse do seu cliente, em termos de legislação, de tomadas de decisões, influenciação, etc…, qual é a dúvida disto? Nenhuma.

O caso de Manuel Pinho, que esteve no governo como ponta de lança do BES, para defender o que lhe convinha, que anda aí a correr pelos tribunais, é apenas um pequeno exemplo, que só veio a lume porque o exagero e o descaramento foi longe demais e foi apanhado numa curva mais apertada, a reboque do processo do chefe do governo, esse ícone da espiral corruptiva nacional, de seu nome José Sócrates.

A legislação existente, de que de vez em quando se fala, quando aparece mais um escândalo, é uma falácia para entreter meninos de fraldas. Desde que um indivíduo se livre da sua participação em alguma dessas empresas em que esteja envolvido, uma semanita antes de assumir o cargo governamental, passando a sua parte para um primo qualquer, ou um amigo de confiança, a coisa já fica legal, não há problema nenhum e ele pode ir ser ministro feliz da vida, fazemos todos de conta que somos estúpidos e aí vai ele fazer o trabalhinho em prol dos interesses de quem lhe pagava anteriormente e continuará a pagar, embora fazendo de conta que está fora da empresa.

O que eu não percebo é qual é a novidade de tudo isto? Não há nenhuma novidade, porque há dezenas de anos que o sistema funciona assim.

Claro que isto vem a propósito do escândalo do momento, em torno do primeiro ministro Luís Montenegro, porque tem uma empresa, da qual alguns clientes têm interesses diretos com o Estado, e ele não teve a agilidade de se ter livrado atempadamente, tal como a lei manhosa que disfarça tudo, mas não resolve nada, estipula e hoje ele poderia estar no governo calmamente a defender os mesmos interesses dos seus clientes, porque obviamente é isso que todos fazem. Sim, todos.

Vamos lá ser intelectualmente honestos. Quem é que devidamente capacitado e habilitado, profissionalmente bem sucedido na vida, com provas dadas de competência e isto é em abstrato, está disponível para largar essa mesma vida, para ir servir o governo, como secretário de estado ou ministro, com todas as responsabilidades inerentes e com todas as perseguições, injúrias e acusações, muitas vezes falsas e aci8ma de tudo isso, com a hipocrisia sistemática da política? Ninguém. Ninguém está para os aturar. A ser assim, que se lixe o governo e o país. Porque, sim, essa é a questão, os políticos são muito mal pagos, sejamos honestos.

Considero Montenegro um mau governante, sem visão, sem uma estratégia para o país, sem capacidade para o lugar que ocupa e sobre isso não tenho dúvidas. Mas tenho horror a ver os diversos patamares da estrutura do Estado a serem ocupadas por gente inútil, sem qualquer habilitação, sem profissão, ou dimensão política ou intelectual, para exercer qualquer cargo e isso aflige-me.

A máquina trituradora da esquerda, alicerçada na comunicação social sempre ao seu serviço, fez acreditar o país que Montenegro é um caso único, diferente de tantos e tantos outros que por aí abundam e não é, só foi ingenuo ou distraído, mas por isso vai ter que se demitir e não tem outra saída. Hoje, amanhã, ou no mês que vem, está ferido de morte.

Ao país resta mais um intervalo, em que tudo pára, para sabermos durante uma temporada como é que vai ser o futuro.

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