“Kika” foi ameaçada várias vezes de morte pelo pai do filho, que esteve preso nove meses por consumo e tráfico de droga.
Com dois processos em tribunal contra o pai, um de responsabilidades parentais e outro de violência doméstica, e apesar das ameaças que sofre Kika está em risco de perder a guarda para o progenitor. Este fim-de-semana a policia voltou a recordar-lhe que está sujeita a que lhe retirem a guarda das responsabilidades parentais.
Para Carlos Santiago, criminólogo, o Tribunal de Familia e Menores tem “as devidas competências para julgar estes casos de abusos de menores, o único problema é que o mesmo tribunal não consegue aferir actos criminais”.
Daniela Cosme, psicóloga clínica, diz que são “comuns em perfis com traços de personalidade narcisista e/ou borderline, revelando um padrão específico: o progenitor tende a afastar-se durante a gravidez ou quando o bebé ainda é pequeno. Esse afastamento “pode ser estratégico, com o de, mais tarde, regressar e, caso a mãe já tenha estabelecido distância emocional ou física, acusá-la de alienação parental.”
Kika, nome fictício, teve um namoro normal, passado ano e meio ficou grávida, o pai era contra o nascimento do filho, tentou várias vezes que Kika abortasse, mas não demoveu a mãe de ter o seu bebé. “A partir daí as coisas complicaram-se com agressões psicológicas e físicas”, conta Kika ao Podcast Justiça às Cegas.
O pai do seu filho, traficante de droga e consumidor, ameaçou-a várias vezes de morte. Apesar de ser ameaçada em tribunal pelo Juiz de lhe retirarem a guarda do filho nada demove a mãe de apurar os factos.
O problema de prova em tribunal de manipulação parental para Carlos Santiago, criminólogo, “é que é necessário fazer avaliação de risco ao momento, o tribunal não consegue fazer prova de factos no passado ou de futuro”.
Enquanto o Tribunal “não resolver o problema criminal estamos a dar aso a que a criança seja vitimizada no futuro estando em contacto com o agressor,” diz ao Podcast Justiça às Cegas.
Para Carlos Santiago, crimólogo, o Tribunal de Familia e Menores tem as “devidas competências para julgar estes casos de abusos de menores, o único problema é que o mesmo tribunal não consegue aferir actos criminais”.
“Estamos a por a carroça à frente dos bois. Estamos a tomar uma decisão sobre a vida futura do menor sem ser tomada uma decisão se o pai é agressor ou não,” frisa o Consultor Técnico Especialista em Ciências Policiais, Criminais, Forenses e Segurança.
O especialista em Ciências Forenses e Criminais admite que há uma questão jurídica para resolver: é necessário criar uma equipa técnica que trabalhe esta componente do Tribunal de Menores.
“No âmbito do Direito o Direito de Família e Menores é quase um direito coxo relativamente a outras vertentes do Direito. Cinge-se à lei de proteção de crianças e jovens. As equipas multidisciplinares não têm habilitações para aferir se existem actos criminosos, nomeadamente de alienação parental,” sublinha Carlos Santiago.
“O pai já assumiu no tribunal que não está bem,” o Tribunal pediu peritagens psicológicas a perícia dizia que tinha conversas improprias. O pai recusa as indicações do tribunal, Kika pediu guarda unilateral do filho, por “achar que pai não tem condições para estar com o filho.”
Apesar de todas as ameaças do tribunal e da procuradora, Kika avançou com recurso para a ordem superior de Évora. “Dizem que não mudam a sentença”, a mãe aguarda a revisão da sentença de janeiro.
Abriu um processo de violência domestica, era ameaçada de morte, ouvia expressões como “eu mando te para 7 palmos abaixo do chão, ou escusas de chorar quanto mais choras mais mijas.”
Pediu a regulação das responsabilidades parentais. Não pagava a pensão alimentos. Sofreu agressão do pai a frente do filho. Para além da arma descobriram grande quantidade de dinheiro e drogas, tudo indicava que traficava droga. “Achava que era uma coisa esporádica, desvalorizei, não vivi o tempo suficiente para saber que tinha droga em casa. Foi detido cumpriu nove meses,” conta Kika.
O processo de violência domestica foi arquivado por falta de provas, mesmo com testemunhas
Ainda hoje continua a ser ameaçada de morte o juiz recusa-se a ouvir o menor, diz que “está a ser coagido pela mãe.”
Kika tem testemunha que assistiu à ameaça de morte a morte em como o pai tentou agredir o filho publicamente.
A testemunha disse para irem já a policia, em agosto de 2024, mas até agora não há resposta. Nestes anos aconteceram muitas coisas varias queixas do filho, que confessou indícios de abuso sexual.
O Ministério Público decidiu avançar com investigação aos dois pai e mãe, foram interrogados, mas uma técnica decidiu que a criança necessitava de ter mais convívio com o pai, tendo sido retirado à mãe para estar de férias com o pai durante uma semana. “O pais era quase um estranho. O meu filho veio num estado, nem como dizer,” diz Kika.
Neste momento, despois da queixas “eles tem mais cuidado o pai e madrasta. Fazia conversas impróprias sobre sexualidade”, justifica a mãe. “Achei tudo muito estranho. O menino dormia no meio do pai e madrasta.”
A mãe pensa que depois das queixas na policia o pai e madrasta têm tido o cuidado de não fazer este tipo de comportamentos abusivos. A queixa foi arquivada pelo Tribunal.
No Tribunal de Odemira os juízes e procuradores estão em constante mudança. Daniela Cosme, psicóloga especialista em abusos, comenta ao Estado com Arte Magazine que “em relação ao tribunal de Odemira (mencionado pela mãe como sendo o responsável por este caso), é importante salientar que se trata de um tribunal genérico, e não especificamente de família e menores. Há uma grande rotatividade de juízes e procuradores, e a sua atuação nem sempre prioriza a segurança das crianças.
Para a psicóloga a atuação da equipa da EMAT de Beja, nomeadamente os assistentes sociais, também “levanta preocupações.”
Personalidade narcisista e/ou borderline
Daniela Cosme psicóloga clínica, observa padrões comportamentais, comenta ao Estado com Arte Magazine que no relato descrito pela mãe Kika, relativos ao progenitor, são “comuns em perfis com traços de personalidade narcisista e/ou borderline, revelando um padrão específico: o progenitor tende a afastar-se durante a gravidez ou quando o bebé ainda é pequeno. Esse afastamento pode ser estratégico, com o de, mais tarde, regressar e, caso a mãe já tenha estabelecido distância emocional ou física, acusá-la de alienação parental.
Trata-se de uma “inversão de culpa, uma dinâmica que observo frequentemente nas minhas consultas clínicas.
Outro traço recorrente em perfis narcisistas é a perda de interesse de manter o relacionamento após o nascimento do filho. É precisamente nesse momento que se tornam visíveis os primeiros abusos — inicialmente subtis (microabusos), mas que evoluem para comportamentos mais agressivos, culminando na chamada fase de “descarte”.”
No entanto, esse descarte “raramente é definitivo. Esses indivíduos tendem a reaparecer ciclicamente, muitas vezes para continuar a infligir sofrimento à mãe e, indiretamente, aos filhos. Não demonstram interesse pelos filhos; no entanto, nos tribunais vendem a imagem de um “bom pai”, responsável e que sofre com o afastamento da criança. Infelizmente, trata-se de uma estratégia utilizada para iludir os tribunais e tentar isentar-se das suas responsabilidades e crimes.”
Além disso, continua a psicóloga, o perfil em questão, segundo os relatos, “parece envolver-se com consumo e possível tráfico de drogas, bem como com posse de armas — comportamentos que, por si só, deveriam ser suficientes para que um tribunal considerasse esse progenitor inapto para garantir a segurança da criança. No entanto, as decisões judiciais nem sempre seguem essa lógica, não se compreende porquê.”
Outro padrão recorrente é a negligência financeira
Muitos progenitores com este perfil evitam contribuir para as despesas dos filhos. “Ainda que o valor das pensões alimentares em Portugal seja uma miséria — 150 euros —, nem esse montante é respeitado. Esse valor, por si só, já representa um abuso institucional, pois não é suficiente para sustentar uma criança.”
Foco do Tribunal está em “garantir convívios parentais a todo o custo”
A psicóloga observa, pelos casos que acompanho, que o foco do Tribunal está em garantir convívios parentais a todo o custo, mesmo perante relatos de violência doméstica ou suspeitas de abuso sexual. “Ignora-se por completo o bem-estar psicológico da criança e a sua vontade — que, aos seis anos, já é passível de ser ouvida e considerada. Mas mesmo sendo ouvida, a minha experiência diz-me que a vontade da criança não é respeitada. O direito do pai é sistematicamente colocado acima da proteção da criança, algo que, pelo menos do ponto de vista psicológico, é incompreensível. A criança está em crescimento, em processo de aprendizagem, e acaba por absorver modelos altamente prejudiciais ao seu desenvolvimento psicológico.”
Do ponto de vista psicológico, é fundamental compreender que a agressividade dirigida à mãe é também uma forma de violência contra a criança. A exposição à violência doméstica é, por si só, uma forma de abuso infantil. No entanto, ainda persiste o mito, em algumas instituições que apoiam os tribunais, de que “ele foi agressivo com a mãe, mas isso não significa que será com a criança”. Essa ideia é profundamente errada e ignorante. A agressividade é uma característica de personalidade e não se dissocia seletivamente.
Além disso, medidas como “gestão de conflitos” ou “co-parentalidade” são inadequadas em contextos de violência doméstica e abuso sexual infantil. Essas abordagens apenas prolongam o sofrimento e agravam o trauma da criança. Mas, infelizmente, são práticas comuns não só na Comarca de Odemira, mas por todo o país.
Segundo daniela Cosme no caso em questão — e em muitos outros acompanhados neste mesmo tribunal — observa-se “um padrão preocupante: juízes e procuradores utilizam argumentos de manipulação para acusar mães que apenas cumpriram o seu dever civil de denunciar, e veem-se acusadas de alienação parental, difamação ou até de maus-tratos. Já vi um pouco de tudo. É uma autêntica tortura e um massacre de mães, bem como uma negligência do direito das crianças à proteção. É fundamental que as autoridades voltem o olhar para o que se passa no tribunal de Odemira.”
“É urgente alertar a sociedade e o sistema judicial para estas práticas. Devemos lembrar que o
papel do tribunal é proteger as crianças e apoiar as mães que lutam por essa proteção. E, em
caso de dúvida, a prioridade deve ser sempre a segurança da criança,” conclui a especialista em abusos de menores.