Destas eleições resulta um parlamento mais fragmentado – existem 10 partidos representados: PSD; CHEGA; PS; IL; LIVRE; CDU; CDS; BE, JPP, PAN (11 para ser mais rigorosa tendo em conta que a CDU também é uma coligação entre o PCP e PEV) – com um novo eixo ideológico central. O PSD ocupa agora mais lugares no centro do hemiciclo. Esta condição vai impor uma maior equidistância negocial do PSD que terá margem para acordos de incidência parlamentar à esquerda e à direita.
A nova legislatura herda o peso da última que foi prematuramente interrompida por dúvidas sobre o comportamento ético do primeiro-ministro Luís Montenegro. As dúvidas permanecem, mas os resultados das eleições de 18 maio confirmam a confiança dos portugueses na AD e no governo de Luís Montenegro com a subida de 79 para 91 mandatos.
Para os portugueses, o caso Spinumviva tratar-se-á de uma “bagatela política” que não afeta o caminho traçado para a governabilidade do país nem para a efetivação das principais políticas públicas em processo de implementação. Esta desvalorização faz lembrar o consagrado princípio da insignificância no direito e, nomeadamente, a teoria da bagatela na área do direito penal que se traduz pela estratégia de limitação penal em condutas que embora sejam tipificadas como crimes não causam uma ofensa relevante ao bem jurídico tutelado. Ou seja: procura-se evitar a punição por condutas consideradas irrelevantes ou de baixa gravidade cumprindo-se com a máxima processual milenar “minimis non curat praetor”.
Sobre o caso Spinumviva não se tem conhecimento de qualquer ilícito grave ou criminal apesar de permanecerem dúvidas em matéria de incompatibilidades no exercício das funções políticas do primeiro-ministro. No entanto, o caso, pela dimensão que tem e pelas dúvidas éticas que suscita, abre precedentes e com toda a certeza alargará o entendimento da bagatela política.
Ontem, dia 3 de junho, demos início à XVII Legislatura. Três dias depois do apuramento final do resultado das eleições legislativas de 18 de maio, e cumprindo com o artigo 173º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, os 230 deputados eleitos reuniram “por direito próprio” e iniciaram os procedimentos fundamentais para os trabalhos parlamentares, desde logo a eleição da segunda figura do Estado Português – o Presidente da Assembleia da República – que tem, entre as suas nobres funções, a responsabilidade de assegurar o funcionamento dos trabalhos da Assembleia cumprindo, e fazendo cumprir, o seu Regimento. Sem surpresa, José Pedro Aguiar Branco foi reeleito à primeira volta com 202 votos a favor.
A nova configuração parlamentar traz novidades ao sistema político, nomeadamente a confirmação do fim do bipartidarismo que dominou a 3ª República. Já se tinha verificado uma situação semelhante na composição do parlamento que derivou das eleições legislativas de 1985 com os resultados obtidos pelo PRD, mas, ainda assim, os dois partidos mais votados foram sempre o PSD e o PS. As últimas legislativas quebram o padrão do sistema partidário e a habitual partilha do primeiro e segundo lugar entre o PSD e o PS.
Com últimos resultados eleitorais, o partido CHEGA torna-se o segundo partido com mais mandatos no parlamento – 60 mandatos, a seguir aos 91 do PSD e à frente do PS que obteve 58 mandatos. Esta força partidária designada, por muitos, como de extrema direita ainda é uma massa desconhecida em termos ideológicos e doutrinais, muito focada no carisma do seu “chefe” e com a captura de votos dos eleitores descontentes em todos os quadrantes políticos. No entanto, e legitimado por sufrágio, André Ventura conquista o lugar de líder da oposição assumindo a importância protocolar e política inerente. Terá responsabilidades na eleição de cargos fundamentais na estrutura do Estado e, também, mais protagonismo na agenda política, condição que já capitalizou ao anunciar a intenção de formar um governo sombra e de propor uma revisão constitucional mais disruptiva.
Destas eleições resulta um parlamento mais fragmentado – existem 10 partidos representados: PSD; CHEGA; PS; IL; LIVRE; CDU; CDS; BE, JPP, PAN (11 para ser mais rigorosa tendo em conta que a CDU também é uma coligação entre o PCP e PEV) – com um novo eixo ideológico central. O PSD ocupa agora mais lugares no centro do hemiciclo. Esta condição vai impor uma maior equidistância negocial do PSD que terá margem para acordos de incidência parlamentar à esquerda e à direita. À direita, a IL apesar de ter subido o número de mandatos não atingiu o seu grande objetivo de se tornar um partido imprescindível para a governabilidade. Por um lado, por erro próprio anunciando prematuramente o “noivado” com a AD, durante o período eleitoral, o que terá afastado algumas intenções de voto na IL. Por outro lado, o seu peso negocial foi esvaziado pelos desastrosos resultados do PS que se tornará agora muleta do Governo como forma de sobrevivência. À esquerda do PS, o único partido com vocalidade será o LIVRE estando a designada extrema esquerda no limiar do desaparecimento da representação parlamentar.
A resiliência da nova legislatura passará pela capacidade do XXV Governo Constitucional negociar com a esquerda e com a direita e também dependerá dos “casos e casinhos” dos políticos eleitos. E o que nos resta? Esperar. Esperar e desejar que se priorize o interesse nacional nas negociações e que qualquer “escândalo” ou “novidade” caiba no novo, mas já bastante dilatado, conceito de “bagatela política”.
A Arte da Política é uma coluna de opinião da responsabilidade da politóloga SÍlvia Mangerona.