Penso que o desejo de qualquer eleitor é que de umaeleição resulte uma correlação de forças políticas capaz de formar um Governo com condições de dirigir o país até às eleições seguintes. Os eleitores mais envolvidos na vida dos partidos políticos ou mais inclinados a sacrificar a estabilidade política à prossecução de uma linha ideológica estrita podem discordar, mas creio que a maior parte dos eleitores dá prioridade à governabilidade, e esta pressupõe estabilidade política.
Em democracia os cidadãos podem repor ou remover o Governo de forma pacífica, através do ato eleitoral, mas é bom que o façam depois de terem tido a oportunidade de o verem confrontado com as críticas da oposição e de o poderem avaliar no seu desempenho.
No ato eleitoral a escolha dos eleitores está circunscrita aos partidos que concorrem. E aqueles que votam num partido fazem-no na esperança de que esse partido cumpra o que prometeu no seu programa eleitoral ou pelo menos – visto que as coisas nem sempre coincidem – aquilo que prometeu na campanha eleitoral. Mas uma democracia não é um regime de partido único. Por isso os partidos políticos podem ganhar ou perder eleições. Esta é uma circunstância com a qual os eleitores de uma democracia jovem como a portuguesa já foram confrontados várias vezes. Menos vezes do que os eleitores de outras democracias mais antigas, mas ainda assim as vezes suficientes para que já ninguém considere a derrota eleitoral como o derradeiro apocalipse ou a vitória como um triunfo definitivo.
Todavia, existe outra circunstância com a qual só recentemente fomos confrontados e que só é possível em sistemas com mais de dois partidos políticos. É que existem várias maneiras de ganhar e de perder eleições. Ao partido que ganha as eleições pode não ser dada a oportunidade de formar Governo. E os partidos que perdem as eleições podem conseguir formar Governo coligando-se.
Do ponto de vista dos partidos mais radicais e minoritários esta é uma oportunidade de ouro para pressionarem a concretização de agendas apoiadas por pequenas partes do eleitorado. A chamada “geringonça” introduziu na política portuguesa esta peculiaridade: a maioria do eleitorado votou moderado (PSD ou PS), mas um dos partidos moderados (o PS), em vez de viabilizar o Governo do partido ganhador das eleições (PSD), aliou-se a dois partidos radicais para constituir uma maioria de governação. Esta forma de alcançar a estabilidade política, ainda que legítima, transporta a disputa entre as ideias moderadas e as ideias radicais do Parlamento para a esfera da governação.
A governação torna-se um exercício de desgaste dos partidos radicais por todos os meios (demagogia, diabolização da oposição) e artifícios (cativações, reversões, etc.) de forma a tentar concentrar os votos no partido moderado incumbente nas eleições seguintes. O que de facto aconteceu.
Depois deste período, as contas começaram a ser feitas de forma completamente diferente. Quando são feitas sondagens, a comparação das intenções de voto no PSD e no PS são sempre feitas no pano de fundo da comparação dos votos dos partidos de direita e dos partidos de esquerda.
Os partidos moderados parecem ter ficado reféns dos partidos radicais. Antes da “geringonça” havia dois cenários possíveis: o partido moderado ganhador governava com maioria absoluta ou viabilizado pelo outro partido moderado. Agora dois outros cenários possíveis tornaram-se reais: não havendo maioria absoluta, um dos partidos moderados coliga-se com os partidos radicais para obter maioria absoluta.
Enfim, são as vicissitudes da democracia, o tal regime que – como alguém disse – é o pior, exceto todos os outros tentados na história.


