Pascal. Razão e coração

Susana Mexia

Blaise Pascal, francês, nascido há 400 anos, foi matemático, escritor, físico, inventor, filósofo e teólogo, uma personalidade discordante para o seu tempo.

Descartes abrira à razão humana todas as vias e todos os domínios possíveis, porém Pascal encontra-lhe limites na sua concepção sobre a vida moral, social e religiosa do homem, sendo um deles a experiência de vida do próprio homem.

A profundeza e a incerteza disputam na mente de Pascal um espaço tão vasto como o universo e tão profundo como o destino do homem.

Os seus Pensamentos são pedras soltas que nos surgem com contrastes e oposições numa vertente puramente dialéctica. “A nossa natureza está no movimento. O repouso total é a morte”, em PENSAMENTOS de Blaise Pascal, Europa – América, 1978.

Tudo e nada, razão e imaginação, miséria e grandeza do homem, infinitamente grande e infinitamente pequeno, ciência e crença, coração e inteligência, espírito de finura e espírito de geometria, são alguns dos aparentes contrastes ou oposições do seu fértil e inquieto modo de buscar a verdade.

Nem sempre compreendido, Pascal leva-nos a questionar a radicalidade da condição humana: Porque vivemos? Porque morremos? Que devemos crer? Que devemos fazer? Quem ou que coisa somos?

“O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza. Mas é um caniço pensante. Não é necessário que o universo inteiro se arme para o esmagar: Um sopro, uma gota de água, bastam para o matar. Mesmo, porém, que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata, pois sabe que morre e sabe a vantagem que o universo tem sobre ele. O universo, esse, nada sabe”.

Reconhecendo a importância do racionalismo no domínio da ciência, Pascal recusa aplicá-lo no campo da moral e da religião, considerando a razão incapaz de atingir e reconhecer estas entidades humanas.

Empenhado no estudo do homem, defende que tendo sido feito para pensar, deveria começar a fazê-lo em si próprio e a sua primeira e essencial tarefa, conhecer-se a si mesmo. Para este objectivo a razão não serve, é débil, inútil e incerta. Nada existe mais conforme à razão do que o seu próprio desconhecimento e esta constatação leva Pascal a reconhecer uma outra via de acesso à realidade humana, que é o coração. “O coração tem as suas razões que a razão desconhece. Sabemo-lo em mil coisas. Digo que o coração ama o ser universal naturalmente e a si mesmo naturalmente, consoante aquele a que se entrega. “

“É o coração que sente Deus, e não a razão. Eis o que é a fé: Deus sensível ao coração, não à razão.”

Toda a obra de Pascal é uma tentativa de alcançar com clareza a condição do homem no mundo, o seu destino, de forma a poder construí-lo naquilo que ele,  verdadeiramente, deve ser.

Como parte da natureza, o homem está situado entre dois infinitos, o infinitamente grande e o infinitamente pequeno e é incapaz de os compreender. Ele é um nada em relação ao infinito, um todo em relação ao nada, um intermédio entre o todo e o nada. Longe de compreender os seus extremos, o fim dos fins e o princípio deles, incapaz de ver o nada de onde veio e o infinito em que está mergulhado.

Esta posição entre o ser e o nada, esta incerteza e instabilidade, leva-o a reconhecer que o pensamento é a sua única dignidade, por isso está acima do resto do universo, mas esta grandeza leva-o também a reconhecer a sua própria miséria face à qual recorre ao seu único privilégio, a capacidade de pensar, origem da sua dignidade.

O reconhecimento da própria miséria é o início de uma busca que o conduz à fé no «…”Deus de Abraão, Deus de Isaac, e Deus de Jacob, o Deus dos Cristãos, é um Deus de amor e consolação. É um Deus que enche a alma e o coração daqueles a quem possui. É um Deus que lhes faz sentir no íntimo a sua miséria e a sua misericórdia infinita, que se une no fundo da sua alma; que a enche de humildade, de alegria, de confiança, de amor; que os torna incapazes de outro fim que não seja ele mesmo.

Todos aqueles que procuram Deus fora de Jesus Cristo e que se detêm na natureza, ou não encontram nenhuma luz que os satisfaça, ou acabam por conceber Deus, e de o servir sem mediador, e desse modo caem no ateísmo ou no deísmo, que são duas coisas que a religião cristã abomina quase por igual”.

E este Deus só se revela a quem O procura humildemente. “Se o homem não é feito para Deus, por que motivo só é feliz em Deus? Se o homem é feito para Deus, porque é tão contrário a Deus?”

“O conhecimento de Deus sem o da nossa miséria faz o orgulho. O conhecimento da nossa miséria sem o de Deus faz o desespero. O conhecimento de Jesus Cristo faz o meio, pois encontramos aí Deus e a nossa miséria”.

“A verdadeira natureza do homem, o seu verdadeiro bem, e a verdadeira virtude, e a verdadeira religião, são coisas cujo conhecimento é inseparável”.

“Não somente não conhecemos Deus senão por Jesus Cristo, mas também não nos conhecemos a nós mesmos a não ser por Jesus Cristo. Não conhecemos a vida, a morte, senão por Jesus Cristo. Fora de Jesus Cristo não sabemos o que é a nossa vida, nem o que é a nossa morte, nem quem é Deus, nem quem somos nós mesmos.”

Grandeza e miséria do homem é o paradoxo que esteve sempre presente na reflexão de Blaise Pascal, um inquieto investigador da verdade, no amplo horizonte do universo.

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