Há perigo de dissolução depois das eleições de 10 de março? O que ficou por dizer no discurso do Presidente da República no dia 1 de janeiro?
Para a politóloga Sílvia Mangerona, docente universitária de Ciência Política, ao Estado com Arte Magazine diz que o discurso do Presidente da República foi “tão prudentemente vazio e neutro que até poderia ter sido escrito por inteligência artificial”.
Perante o cenário de falta de estabilidade governativa de um governo minoritário, o Presidente da República terá de ser o “primeiro bom leitor” dos resultados de 10 de março já que a Assembleia da República não poderá ser dissolvida nos 6 meses posteriores à sua eleição (artigo 172º nº1 da CRP), ou seja até 10 de agosto.
O Constitucionalista Jorge Miranda acredita que “não há esse perigo” e que “as circunstâncias dependem dos partidos e do próprio PR”.
Numa análise às recentes sondagens, Carlos Blanco de Morais, Professor Catedrático de Direito da Universidade de Lisboa, adianta que na dinâmica política e com os perfis das lideranças dos três principais partidos, “não se vislumbra, presentemente, que a nova AD carregada à pressa ou o Partido Socialista possam obter, em março, uma maioria absoluta necessária para sustentar um governo estável.”
Apresentamos os cenários políticos possíveis das próximas eleições legislativas de 10 de março.
A opinião pública e a disputa partidária estão muito polarizadas e, por isso, é difícil traçar os cenários possíveis para o país no pós-10 de março.
Jorge Miranda, um dos constitucionalistas da Constituição Portuguesa, questionado pelo Estado com Arte Magazine sobre o discurso do PR no dia 1 de janeiro sobre o que faltou dizer que isso “talvez se deva a falta de confiança na democracia”. Acredita ainda que não há o perigo de dissolução da AR no período pós-eleitoral.
“As circunstâncias dependem dos partidos e do Próprio Presidente da Republica”, e que ainda não tem perspetiva sobre as próximas eleições.
“Desde já, não será fácil chegar a uma solução que garanta governabilidade para os próximos 4 anos”, quem o garante é a politóloga Silvia Mangerona ao Estado com Arte Magazine.
Se o PS ganhar e conseguir maioria à esquerda, será expectável uma geringonça de “nova geração”, liderada por Pedro Nuno Santos do PS e com a esperado alinhamento do BE e do PCP.
“A solução de um Bloco Central (PS e PSD) da qual tivemos uma curta experiência e entre 1983-85, parece-me completamente afastada tendo existido já declarações, nomeadamente de Luís Montenegro do PSD, que descartam este alinhamento central. A proposta da nova AD com a recusa da IL pode não ser solução de vitória e de estabilidade à direita, principalmente se permanecer a linha vermelha colocada ao partido CH,” comenta Sílvia Mangerona.
No atual cenário político, qualquer vitória sem maioria absoluta “vai obrigar a muita reflexão e abertura ao diálogo tanto à esquerda como à direita. O Presidente da República terá, nesta circunstância, de ser o primeiro bom leitor dos resultados de 10 de março”, revela a docente, já que a Assembleia da República não poderá ser dissolvida nos 6 meses posteriores à sua eleição (artigo 172º nº1 da CRP). O Governo só poderá ser demitido em circunstâncias muito específicas, nomeadamente perante cenários que ponham em causa o regular funcionamento das instituições democráticas (artigo 195º da CRP).
Carlos Blanco de Morais, Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, numa análise às recentes sondagens, adianta que “a dinâmica política” e os perfis das lideranças dos três principais partidos, “não se vislumbra, presentemente, que a nova AD carregada à pressa” ou o Partido Socialista possam obter, em março, uma maioria absoluta necessária para sustentar um governo estável.
“Em face dos dois cenários e descartando as sub-hipóteses ( pouco prováveis mas ainda assim possíveis) de um Governo minoritário frágil da AD e da IL viabilizado com a abstenção do Chega, ou de uma coligação maioritária do Chega com a AD, ou, ainda, a de um governo “Frankenstein” de Frente Popular de esquerda também maioritário, a solução mais visível seria uma nova dissolução e a convocação de eleições”, explica o Catedrático.
Os possíveis cenários políticos das eleições legislativas a 10 de março
Carlos Blanco de Morais traça os cenários previsíveis para as legislativas de 10 de março:
– Num primeiro cenário em que a ressuscitada Aliança Democrática consiga vencer sem maioria absoluta, ensaiando um governo minoritário. “Este, contudo, pode ver chumbado o seu programa pelos partidos de esquerda juntamente com o Chega ou, quiçá, mais provavelmente, apenas pelos partidos de esquerda, com a abstenção do Chega. O governo ficaria em gestão”.
– Num segundo cenário o PS poderá ser o partido mais votado e tentar formar um governo minoritário com acordo parlamentar com os partidos da ultraesquerda (Bloco, PCP e Livre) ou integrando estes partidos num “governo Frankenstein” à espanhola. Não tendo obtido maioria parlamentar seria esse Executivo inviabilizado também na votação do programa pelos partidos à direita, ficando em gestão.
Em face destes dois cenários, diz Blanco de Morais, “e descartando as sub-hipóteses (pouco prováveis, mas ainda assim possíveis) de um Governo minoritário frágil da AD e da IL viabilizado com a abstenção do Chega, ou de uma coligação maioritária do Chega com a AD, ou, ainda, a de um governo “Frankenstein” de Frente Popular de esquerda também maioritário, a solução mais visível” seria uma nova dissolução e a convocação de eleições.”
Sendo que nos termos constitucionais a dissolução não pode ser decretada pelo Presidente “antes de 10 de agosto, as novas eleições não deveriam, por isso, ter lugar antes de finais de outubro”, revela Blanco de Morais.
Uma sequência de governos minoritários precários ou de governos gestão com poderes diminuídos, “gerindo um País parado durante um ano perdido e também marcado por condicionantes negativas externas ao presente establishment político e económico europeu”, assinaladas pelo próprio Presidente no seu discurso, consiste no maior risco com o qual o Chefe de Estado se deverá defrontar. Sendo certo que lhe será imputada, com maior ou menor razão, uma boa parte da responsabilidade por ter mudado o ciclo político num quadro de incerteza,” justifica.
“Esse ónus presidencial poderá vir a ser acrescido, na medida que, com um interregno de governos de gestão ou de executivos minoritários precários, o sistema semipresidencial irá reforçar o seu pendor presidencial, embora nas piores circunstâncias, pois focará no Presidente “a responsabilidade por tudo o que venha a correr mal.”
Resta saber se uma nova dissolução resolverá o problema da governabilidade. “Provavelmente sim, com mudanças nas lideranças de um ou dos dois principais partidos: no PS através de um líder mais aberto a soluções de bloco central; no PSD, com um líder com algum carisma que possa federar os principais partidos de direita, como em Itália. Na verdade, o mundo mudou e os cordões sanitários já não são o que eram,” esclarece o Catedrático.
As eleições de 10 de março, oferecem um panorama crítico no plano da obtenção de maiorias necessárias para a formação de governos, apesar da bipolarização ideológica entre a esquerda e a direita do sistema.
Em que circunstâncias pode ser demitido o governo?
O Presidente só pode demitir o Governo quando tal se mostre necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas ( nº 2 do artº 195º da Constituição). Trata-se de um poder extraordinário, virtualmente excecional, que os Presidentes não exercem desde 1978, embora sejam eles, no plano jurídico, o único juiz dessa decisão.
Blanco de Morais diz ainda que no caso de se verificar “um cenário de sucessão de governos de gestão, depois da rejeição do seu programa, como se alvitrou hipoteticamente na resposta dada à questão anterior, o Presidente poderia (sem usar o instituto da demissão) nomear um governo de iniciativa presidencial para assegurar a imparcialidade de novas eleições, se decidir dissolver de novo a Assembleia da República no período subsequente a 10 de março.”
Os governos de gestão já se encontram demitidos pelo que o Presidente poderia sempre nomear um executivo interino (em plenitude de funções se obtiver apoio parlamentar ou, caso contrário, em gestão) até a um novo ato eleitoral.
Perspetiva das próximas eleições
Blanco de Morais acredita que a AD ou o PS vencerão as eleições, com maioria relativa. Entende que o Chega,” no mínimo, poderá duplicar os votos da eleição de 2021 e tornar-se um “kingmaker” no tocante à formação de qualquer governo maioritário à direita.”
Quanto ao PS, Blanco de Morais, acredita que “impera o objetivo modesto, mas possível de ultrapassar a AD, pairando ainda no seu líder o propósito mais ambicioso, pese que menos provável, de fazer uma coligação maioritária com a ultraesquerda, ao jeito do Governo Frankenstein à espanhola, a qual seria uma solução desastrosa para o País, dado o lastro lamentável deste tipo de governos na Europa e na América Latina. Tratar-se-ia de uma espécie de regresso tragicómico ao PREC, em versão soft core, no ano das comemorações do 25 de abril.”
Afinal o que ficou por dizer no discurso do PR do dia 1 janeiro?
“Foi maioritariamente um discurso mais próprio de um comentário político-jornalístico tecendo balanços de final de ano e previsões para o próximo, do que de uma intervenção típica de Chefe de Estado. Faltou Estado e sobrou análise e astrologia política. Dir-se-ia que não quer ser acusado de intervencionismo num período pré-eleitoral, mas quantos dos seus antecessores o não fizeram, ostensivamente e sem medo, como foi o caso de Eanes, Soares e Sampaio?”, recorda o Catedrático sobre as prestações de antigos Chefes de Estado.
Quanto ao desempenho e à estratégia discursiva, foi uma intervenção “morna, fugidia, defensiva e auto-justificativa de uma mudança de ciclo político com consequências imprevisíveis que, afinal, foi decidida pelo próprio. Sobrou o apelo ao voto e algumas singelas ofertas temáticas (subliminares) à oposição, no domínio da desordem administrativa que afeta serviços públicos, como a saúde, a habitação e a educação e as insuficiências das prestações sociais aos mais necessitados,“ refere o docente.
Entende que o Presidente deveria “ser mais livre e corajoso, teria beneficiado o espaço político de onde é oriundo, com um discurso mais assertivo, crítico e perfurante sobre a situação interna do País, nomeadamente sobre o balanço deste longo ciclo de governação”. Também deveria ter alertado sobre as dificuldades concretas que o próximo governo terá de enfrentar, “num contexto inédito de bipolarização política e de ausência de cooperação entre os dois maiores partidos”.
Para a politóloga Sílvia Mangerona o discurso do Presidente da República foi “tão prudentemente vazio e neutro que até poderia ter sido escrito por inteligência artificial. Teve todos os ingredientes de uma mensagem de Ano Novo de um Chefe de Estado que não se quer comprometer. Desejou bom 2024 aos Portugueses; concluiu que as guerras estão para durar; falou da inflação e do crescimento; contabilizou todas as eleições deste ano; e apelou ao voto com o já gasto adágio – “o povo é quem mais ordena”. “
A docente refere que o PR fez aproveitamento da expressão “ficou claro” repetida 14 vezes no discurso do PR. No seu entender o PR “foi morno escusando-se de declarações na defesa dos princípios da Constituição e de palavras de compromisso com os possíveis cenários políticos. E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, como homem crente, sabe muito bem o que Deus faz aos mornos.“


