A França, principal epicentro deste cataclismo, vertiginosamente adoptou as ideias defendidas por Voltaire, declarando uma guerra filosófica contra qualquer religião positiva, nomeadamente o cristianismo, metamorfoseando os espíritos intelectuais da época e eivando-os duma forte virulência.
N´A Crise da Consciência Europeia Paul Hazard analisa os anos que precederam o Iluminismo – 1680-1715 – os quais marcaram uma transição na história das ideias, expõe os fundamentos do pensamento contemporâneo, abrangendo a filosofia, a literatura, a política e a sociedade de um período decisivo para a história da Humanidade. Uma edição da Imprensa da Universidade de Lisboa.
Para Paul Hazard esta transição é descrita como uma «crise», na medida em que está em causa a rejeição de valores como a tradição, a estabilidade, a convenção e um confronto com a abertura intelectual consequência do desenvolvimento da ciência e do método científico. John Locke, Pierre Bayle, Espinosa e Richard Simon são alguns dos pioneiros nesta ruptura com a ordem instituída.
Originalmente publicado em 1935, este livro resultou de trinta anos de trabalhos monográficos e contacto directo com as investigações histórico-literárias francesas, inglesas, italianas, alemãs, espanholas, portuguesas, norte-americanas e brasileiras.
Ao longo do século XVII foi-se dando uma mudança profunda em muitos espíritos, nomeadamente por influência de ideias anglo-saxónicas – o deísmo e de ideias francesas – o racionalismo, as quais vieram a culminar no iluminismo anti-cristão do século XVIII.
A França, principal epicentro deste cataclismo, vertiginosamente adoptou as ideias defendidas por Voltaire, declarando uma guerra filosófica contra qualquer religião positiva, nomeadamente o cristianismo, metamorfoseando os espíritos intelectuais da época e eivando-os duma forte virulência.
Acabar com a religião cristã foi a obsessão constante deste filósofo iluminista que escreveu: “Cristo necessitou de doze Apóstolos para propagar o Cristianismo; eu vou demonstrar que basta um só para o destruir”.
A esta vertigem também não foram estranhas a corrente hedonista dos libertinos, protagonizada por Saint-Evremont, a crítica radical de Espinoza contra a Bíblia e a Enciclopédia de Diderot e D´Alembert, com uma orientação intelectual radicalmente hostil ao Cristianismo.
“O Cristianismo é uma religião revelada, com um conteúdo de verdades de ordem sobrenatural às quais o crente deve aderir, não pela via da experiência directa, mas da fé”.
«A substituição da Religião revelada por uma mera religião natural foi nesse tempo a pretensão do Deísmo, que, a partir da Inglaterra, sua pátria de origem, se propagou à França e à Alemanha. O deísmo não negava Deus – como o ateísmo; esfumava-O e afastava-O do homem. O deus dos deístas era uma construção racional, amiúde panteísta, totalmente à margem da Revelação. O deísmo informou a Maçonaria, cujas primeiras lojas se fundaram na Inglaterra, nos começos do século XVIII». (História Breve do Cristianismo, de José Orlandis)”
É verdade que em França este “espírito filosófico” foi património de uma minoria dirigente, pois o povo conservava a sua religiosidade cristã, mas aquela minoria determinou a ideologia da nova época da história europeia, que começou com a Revolução Francesa de 1789. Porém, os piores anos vieram entre 1793-1794, o Terror, as perseguições anticatólicas atingiram nesta altura o seu ponto mais rubro, foram milhares as vítimas desta tentativa de apagar da vida francesa qualquer traço cristão. O calendário foi substituído por um “calendário republicano” e na Catedral de Notre Dame, no dia 10 de Novembro de 1793, foi entronizada a “Deusa-Razão” e instituído por Robespierre o culto do “ Ser Supremo”, sistemas de crenças baseadas nas ideias racionalistas, estabelecidos em França, que pretendiam substituir o cristianismo durante a Revolução Francesa.
Anos mais tarde, no Directório Jacobino (1797 –1799) recrudesceu esta ânsia de morte ao catolicismo, os franceses ocuparam Roma e proclamaram a Republica Romana. O Papa Pio VI velho e doente, foi deportado para Siena, Florença e, finalmente para a cidade de Valence-sur-Rhône, em França, onde a 29 de Agosto de 1799 veio a falecer com oitenta e um anos de idade. Alguns revolucionários exaltados proclamaram que tinha morrido o último Papa da Igreja.
Curiosamente este episódio foi repetido no reinado de Napoleão, quando este tenta instrumentalizar a Igreja e não teve apoio pontifício. Face a esta reacção o Imperador reduz o Papa Pio VII a prisioneiro e deporta-o para Savona, em 6 de Julho de 1809. Perante a sua negativa de não sancionar os decretos de um pseudo – concílio reunido em Paris (1811), Napoleão ordenou a sua transferência para França, onde lhe destinou como residência o Palácio de Fontainebleau. Em 1815, Pio VII regressou definitivamente a Roma, onze dias mais tarde – 18 de Julho – um novo nome se incorporou à História Universal – Waterloo.
Não obstante este cenário de perseguições ao Cristianismo, as quais se tornaram ainda mais acintosas no século XIX, fruto de filosofias e ideologias marxistas e anarquistas, com consequente aplicação prática nos regimes totalitários – nazismo e comunismo – que flagelaram a Europa no passado século XX, e uma veemente perseguição frontal, indirecta, camuflada, vinda de sectores políticos, mediáticos e outros, que se prolongam nestes tempos da nossa história, do ano da graça de 2024.
Apraz-me recordar o sábio conselho de Gamaliel, numa das reuniões do Sinédrio, quando alguém propôs matar os Apóstolos para evitar o contágio das suas doutrinas: “Agora, pois, eu vos aconselho: não vos metais com estes homens. Deixai-os! Se o seu projecto ou a sua obra provém de homens, por si mesma se destruirá; mas se provier de Deus, não podereis desfazê-la. Vós vos arriscais a entrar em luta com o próprio Deus” (At 5,38-39).


