Para Maria do Céu Salgueiro, engenheira agrónoma e vice-presidente da Associação de Produtores do Mundo Rural da Região de Montemor-o-Novo (APORMOR) na agricultura ainda não se cumpriu abril, “tivemos muitas conquistas, mas também muitas frustrações”.
Passados 50 anos reconhece que a agricultura evoluiu, mas deixa criticas à Ministra da Agricultura que não apoia os agricultores, diz que o Ministério da Agricultura “não é receptivo e disponível” para entender e resolver os problemas dos agricultores, e que a gestão da agricultura é feita com “papéis nas mãos”.
Sempre ouviu o pai dizer que “o 25 de abril era urgente acontecer na área agrícola da região do Alentejo, onde o acesso à terra era impossível”, comenta Maria do Céu Salgueiro engenheira agrónoma e vice-presidente da APORMOR na 3a conferência “As Mulheres e o 25 de Abril”, no Grémio Literário, a 20 de fevereiro.
É a 1a vez que a filha de António Salgueiro, agricultor e proprietário da herdade Amendoeira, em Arraiolos e herdade do Barrocal em Montemor-o-Novo, no Alentejo, fala sobre o período revolucionário. Sempre ouviu dizer em casa que “era necessário o 25 de abril”, mas também deixou uma “intranquilidade” no meio da família.
Em 1974, os proprietários das herdades alentejanas tinham a terra ao abandono, mas também “não deixavam entrar quem queria e sabia trabalhar”, comenta a engenheira agrónoma.
Os proprietários agrícolas não exploravam diretamente as terras, nem deixavam outros fazerem a sua atividade agrícola. Recorda que nas terras que o pai conseguia arrendar, quando os tratoristas estavam em cima das máquinas, “não se viam, porque o mato era enorme”.
Maria do Céu desabafa sobre o período conturbado do 25 de abril no Alentejo e das memórias do pai: “quem sabia o carinho que dedicava à sua vida sabia que ele tinha valor. A seguir às conquistas chegaram as frustrações. Eu senti o meu pai durante algum tempo frustrado, porque teve de se empregar na fábrica do tomate e de pimento. Porque todos sabiam que ele sabia fazer.”

“O meu Pai, António Salgueiro, trabalhava muito bem a terra. Dois anos antes do 25 de abril conseguiu arrendar, pela confiança que alguns proprietários depositavam na sua pessoa, cerca de 1 000 hectares na região de Montemor o Novo. Os empregados recebiam o seu salário semanalmente o que dinamizava enormemente a comunidade e a economia da região.” Na altura os ranchos tinham à volta de 100 a 120 pessoas, todas as semanas recebiam o seu dinheiro, muitas das vezes ajudava o pai a fazer os pagamentos ao rancho.
Considera que a “verdadeira agricultura nacional deveria pegar em homens como o pai e perguntar qual o caminho que devemos seguir e aí tínhamos a especificidade da agricultura portuguesa defendida com uma verdadeira política agrícola nacional e um país agrícola com ordenamento do território e bem articulado”.
Gostaria que a gestão a agricultura se fizesse com “técnica e não com papéis”.
António Salgueiro, agricultor “visionário” no Alentejo

António Salgueiro, foi um agricultor “visionário”, fez barragens para fazer regadio na exploração agrícola da família. “O meu pai com máquinas próprias fazia barragens, com a retenção de água desenvolvia áreas de regadio onde o tomate era a cultura de eleição. Com a necessidade de muita técnica ele era um agricultor com a 4a classe, mas estava muito à frente na época, o Alentejo sempre foi tradicionalmente uma região de sequeiro.”
Na sequência da falta do pai, Maria do Céu, tinha 22 anos e o seu irmão 24, a família alterou a atividade. Continuaram a agricultura sem regadio, porque ele “era o expert”, modificou-se a exploração para a pecuária, bovinos de carne, ovinos de carne e porcos alentejanos.
Há 50 anos o agricultor António Salgueiro já falava da importância da água, tema que hoje está fortemente na agenda política e ambiental.
“Se na altura tivessem dado ouvidos ao meu pai para desenvolver a atividade agrícola, havia muito mais emprego e muito mais economia que dinamizasse a região do Alentejo ao longo das últimas décadas.”
“Sou filha de alguém que dinamizava e que tinha na sua exploração maquinas, alfaias, farinhas para os animais, adubos e sementes quando veio o 25 de abril. Com as ocupações foi tudo de razia. Tiraram a quem não fazia nada, mas também tiraram a quem fazia.”
Acontecimentos que segundo Maria do Céu marcaram para sempre o pai que “ficou desconfortável para a vida, porque achava que tinha sido uma desonestidade brutal”. Mas mesmo assim, o pai afirmava, “quem tirou as máquinas não tem culpa, quem tem culpa é quem mandou”.
Era um “visionário”, mas que “marcava e bem” o seu dia a dia com a família, os amigos e quem com ele convivia na área agrícola e “reconheciam o seu valor e conhecimento técnico. Era um homem que tinha a 4a classe, de um valor incrível, ainda hoje passados muitos anos do seu desaparecimento ainda me confidenciam algumas pessoas que o conheceram, “muitos homens como o seu pai deviam de aparecer para ajudarem este país”.
A realidade veio provar as preocupações de António Salgueiro: a água possibilita o regadio, atividade extremamente necessária, para haver emprego e dinamizar o Alentejo.
Ainda assim, afirma, “foi bom ter acontecido o 25 de abril, porque a posse da terra tinha de ser alterada, mas tínhamos de dar valor a quem a trabalhava e dinamizava a região.”
Passados 50 anos reconhece que a agricultura evoluiu, mas deixa críticas à Ministra da Agricultura, a empresária agrícola diz que “não apoia os agricultores pura e simplesmente porque não ouve a produção, aqueles que percebem e têm sensibilidade para sugerir caminhos. Estamos nas mãos de quem não entende o setor agrícola”. A empresária conclui que temos “um país agrícola eternamente adiado.”