O problema está no facto de a maioria dos imigrantes entrar em Portugal sem visto de residência. Segundo os últimos estudos publicados, dão entrada por ano cerca de 1.500 imigrantes com visto, e estes como se sabe são tratados nos consulados, rede construída e mantida desde 1960 (o que explica que não haja consulados nos países que mais imigram atualmente para Portugal, países de origem da migração diferentes dos anos 70 ou 80 do século passado).
5%. Este é o número que não me sai da cabeça. É o valor percentual de imigrantes que recebemos, e é o valor que tem criado mentiras e argumentos que colam na memória de cada um e de cada uma, fazendo crescer a desconfiança sobre quem recebemos no nosso país. 5%!
Não me saem da cabeça os argumentos de André Ventura. Diz que recebemos os piores imigrantes e que enviamos os melhores emigrantes para outros países.
Duas frases falsas! Os estudos realizados por entidades nacionais dizem que, dos portugueses que emigram, a maioria não é qualificada. E que, dos imigrantes que recebemos, a maioria é muito qualificada.
E pronto, podíamos ficar por aqui. Os estudos desmentem esses argumentos, mas continuam a ser repetidos à exaustão, o que os tem transformado em “verdades”.
Não me sai da cabeça que é nosso dever, como democratas, desmistificar a narrativa usada.
Vamos, então, a isso!
A narrativa atual tem por base a ideia de que a causa de todos os problemas do nosso país está nas migrações, e a AIMA passou a ser o cartão de visita dos erros. Quer isto dizer que pode criar-se a ideia de que se deve revogar (uma palavra que gosto e que se adequa a estes governos das alianças democráticas) a AIMA e voltar ao SEF, pois com isso todos os males, como que por arte mágica, desapareceriam. Claro que se percebe que este argumento tem um alvo: o Partido Socialista e a ex-ministra adjunta Ana Catarina Mendes, que tinha sob sua tutela esta pasta.
Ao criar a AIMA, Ana Catarina Mendes defendeu a promoção de “canais de migração regulados e seguros, como essenciais para a resposta aos desafios demográficos, ao desenvolvimento económico, à sustentabilidade do País e enquanto expressão de um país tolerante, diverso e aberto ao mundo”. Acima de tudo, está em causa a mudança na relação com os cidadãos estrangeiros e a segregação de funções administrativas (que eram exercidas pelo SEF) de funções policiais.
Esta alteração, que está alinhada com boas práticas de outros países, teve um senão: a AIMA começou por receber 400.000 processos pendentes por regularizar. Não me parece que possam haver dúvidas de que a criação da AIMA obrigava a que se esta recebesse as pendências administrativas do SEF. Logo, não é de todo verdade que a AIMA não funciona por ter sido criada pelo Partido Socialista, nem é verdade que seria bom voltar a ter SEF (com um modelo decrépito de funcionamento que juntava funções distintas), pois já existiam 400.000 requerimentos de regularização de processos de migração.
O problema parece não estar aí, até porque foi considerado que o ano de 2024 seria para regularizar as pendências. O problema está no facto de a maioria dos imigrantes entrar em Portugal sem visto de residência. Segundo os últimos estudos publicados, dão entrada por ano cerca de 1.500 imigrantes com visto, e estes como se sabe são tratados nos consulados, rede construída e mantida desde 1960 (o que explica que não haja consulados nos países que mais imigram atualmente para Portugal, países de origem da migração diferentes dos anos 70 ou 80 do século passado).
O que não me sai da cabeça é a razão principal que nos leva a ter centenas de milhares de processos por regularizar! Não haja dúvidas de que a entrada em Portugal não se fez adequadamente. E a culpa, é da AIMA?
O que não me sai da cabeça é que, se a rede consular é do século passado, imaginem os procedimentos e as exigências processuais para quem chega de países que não falam português e tem que preencher uma série de plataformas que não são simples, nem ágeis!
O que não me sai da cabeça é que é necessário repensar a rede consular, e que os procedimentos têm que ser ajustados aos países de onde vêm mais imigrantes.
Um exemplo que não me sai da cabeça é o que se passa com os estudantes da Guiné-Bissau que ingressam no nosso sistema universitário e que não conseguem sair do seu país, porque o visto não lhes é dado. Isto faz algum sentido? Já foram admitidos no nosso sistema de ensino superior!
O que não me sai da cabeça é que a imigração em Portugal era autorregulável, aumentando ou diminuindo conforme a taxa de emprego se alterava. Mas agora não! O mundo mudou. Os movimentos migratórios são completamente diferentes e a capacidade de autorregulação deixou de funcionar. É por isso que se encontram bolsas de imigrantes a viver na rua, o que alimenta o discurso de medo e de ódio.
Então, o que vamos fazer? Se a extrema-direita tem aqui um dos maiores nichos de empoderamento da sua narrativa, temos ou não, como democratas, a obrigação de melhorar o que está mal? Sim, temos! E isso, isso não me sai da cabeça


