Sucession: o sucesso da tragédia familiar

Bernardo Simões de Almeida, Jornalista

Uma série sobre a família, o desamor, a traição e a competição por um lugar que não existe, narrada através de diálogos inteligentes numa linguagem cénica documental que vai revelando o caos interno de cada uma das personagens.

Terminou recentemente a quarta e última temporada de umas das séries mais vistas e aclamadas do pequeno ecrã.

Succession é um verdadeiro sucesso televisivo tendo ganho 103 prémios, entre os quais 13 Emmys, e mais de 180 nomeações em todas as organizações que atribuem as honras na indústria audiovisual.

Criada por Jesse Armstrong que acumula o papel de escritor, Succession, como o nome indica, é um drama, com muitos momentos de comédia, sobre um patriarca, dono de um império de media, que na sua idade avançada, tem os seus filhos a lutar pelo lugar no topo da pirâmide laboral e pela hegemonia do seio de uma família privilegiada de Nova York.

Com algumas semelhanças de Shakespeare, nomeadamente da peça Rei Lear, este drama familiar percorre as dinâmicas relacionais entre irmãos na procura da atenção e recompensa de um pai emocionalmente ausente. Em permanente estado de tensão, este enredo é cheio de traições, uniões temporárias, num jogo em que todos tentam esconder a sua agenda ao mesmo tempo que procura antecipar as motivações dos outros que se sentam à mesa do poder.

Sendo esta série um essemble de actores com alguma craveira, o destaque vai claramente para o veterano actor escocês Brian Cox que protagoniza o papel e posição diegética mais cobiçada, o de chefe da familia Roy e CEO do conglomerado Waystar Royco.

Revestido de um modelo de masculinidade onde o sentimentalismo e emoção são ainda vistos como uma vulnerabilidade facilmente manipulável e fraca, Logan Roy manipula os seus filhos uns contra os outros sem nunca confiar o futuro da sua empresa a nenhum deles.

Esta forma de masculinidade, muito propalada na cultura ocidental do pós-guerra, assenta na obrigação de providenciar os filhos com a maior quantidade de recursos dedicando grande parte do seu tempo no espaço empresarial. Com uma mentalidade maquinal e implacável, Logan é um velho que sofre da inevitável velhice que a todos bate à porta. É esta combinação, entre o homem de sucesso profissional, com consequências desastrosas da sua ausência enquanto manto orientador, e a aparente firmeza, que mais não é do que a luta entre o lado racional e emocional de todo o ser humano, que faz de Logan um patriarca tóxico, obsoleto, mas ironicamente necessário. Ele é um produto do seu tempo e tem algumas parecenças com Rupert Murdoch e Donald Trump.

Kendall Roy, interpretado por Jeremy Strong, é um filho imensamente dividido entre querer ser independente e tomar decisões que o possam projectar como líder ao mesmo tempo que procura a aprovação do pai, cavando assim o seu próprio buraco de onde, combinado com o abuso de drogas, nunca realmente consegue sair.

Kieran Culkin é Roman Roy, é o filho que mais muda de trincheira na guerra pelo protagonismo e liderança. Roman é aquele que tanto quer ser o chefe como tem medo da chefia e aproxima-se daqueles que mais lhe podem oferecer em determinado momento, traíndo qualquer aliança que tenha feito.

Sara Snook, Shiv Roy, curiosamente a única candidata com sucesso profissional fora da família, imiscui-se rapidamente no negócio da família, trazendo alguma paridade e com isso o direito a ter um lugar na mesa. Noiva de Tom Wambsgans (Matthew Macfadyen), também ele um homem ambicioso e disposto a tudo para avançar na escada corporativa, Shiv é uma mulher num mundo de homens que sabe navegar os mares do jogo, mas tal como os seus irmãos, não consegue alcançar a sensatez que permite criar os consensos necessários para a liderança indisputada.

Embora ainda haja mais um filho interpretado por Alan Ruck, conhecido pelo filme dos anos 80 “Ferris Bueller´s Day Off”, Connor Roy é o filho mais velho e o menos interessado na carreira empresarial e mais perdido nas ilusões de grandeza de quem nunca trabalhou e de repente quer ser presidente dos EUA.

Succession é uma crítica ao ambiente familiar de famílias ricas onde a acumulação de bens, dinheiro e poder se sobrepõe ao amor e carinho. Esta crítica está patente nas vidas pessoais dos filhos Roy em que nenhum tem uma relação amorosa que seja estável, verdadeira e duradoura. Nesse sentido pode dizer-se que o clichê “o dinheiro não traz felicidade” é um dos fios condutores desta série cheia de vilões que colam o espectador ao ecrã para ver qual será a próxima mentira a ser utilizada, guerra a ser comprada ou humilhação a que os Roy se prestarão nas suas lutas infantis pelo amor de um pai que não sabe o que isso é.

Succession é uma série feita de diálogos entre pessoas sentadas nas cadeiras de várias salas e lugares sumptuosos. É impossível não mencionar o trabalho absolutamente soberbo de cinematografia que vem trazer aos diálogos, já de si muito bem escritos, uma enfase que de outro modo faria de Succession uma espécie de imitação dos filmes de Woody Allen.

Muitas das cenas desta série são filmadas com o uso de uma câmara de mão que devido ao seu movimento constante, criam o clima de tensão em que os diálogos recaem.

Num estilo de documentário observacional, as cenas são filmadas de modo que o espectador veja as reacções das personagens ao que se lhe está a ser comunicado, saindo do tradicional plano e contra plano médio do cinema e televisão a que estamos acostumados. Outra “transgressão” é o uso de zoom que normalmente é utilizado para chamar a atenção da audiência para algo importante, mas no caso de Succession isso não acontece. A câmara joga com o espectador e com as espectativas clássicas e em vez de mostrar, vai mostrando e convida à visualização de micro expressões que revelam o que cada personagem pensa da outra, como que dando pistas aqui e ali das verdadeiras intenções dos membros da família Roy e dos (in)dispensáveis atrelados.

São 39 episódios disponíveis na HBO MAX que valem imenso a pena, nem que seja para ver uma família em que ninguém quer fazer parte.

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