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Rui Gonçalvez

FOI VOCÊ QUE FALOU EM “COESÃO TERRITORIAL” ?

Rui Gonçalves, Arquitecto

A propósito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, este ano em Pedrógão Grande, em homenagem às vítimas dos incêndios de 2017, o Presidente da República tem vindo repetidamente, sempre que se desloca ao local, a “exigir” um tratamento compensatório àquelas populações do interior afetadas e o governo, socialista até há três meses, também repetidamente prometeu essas compensações. As exigências do Presidente têm valido nada e as promessas do governo nada têm valido, nem umas nem outras são cumpridas.

Este ano não foi diferente. O governo mudou, repetindo-se a “exigência” do Presidente e as promessas, pouco ou nada convictas do primeiro ministro, com absoluta e inequívoca concordância do líder do partido socialista. No final das cerimónias, foi vê-los e ouvi-los a falar de “coesão territorial”, termo repetido até à exaustão, com aquele ar grave e quem os ouve até pensa que é a sério.

O líder do partido socialista, com aquele atrevimento que lhe é peculiar, depois de vários anos de governante, por acaso com responsabilidades diretas nessa tal de “coesão territorial”, porque os investimentos do Estado eram da sua área de governação, nunca fez o que quer que fosse, para o progresso dos territórios despovoados do interior do país, carenciados de investimento como de pão para a boca.

Tudo o que se tem feito nas últimas décadas, tem sido precisamente no sentido inverso, passando-se o tempo a teorizar sobre a matéria, sem que se tomem ou vislumbrem sequer quaisquer tipo de ações práticas para inverter esta calamidade, porque é de uma calamidade que se trata, económica, social e territorial.

E isto acontece porque os tais responsáveis governativos, sejam eles do PS ou do PSD, também nisto são iguais, incapazes de implementar políticas e tomar decisões que promovam o interior do país, seja porque não sabem, razão mais provável, ou porque não querem.

Temos um país dividido em dois, uma franja do litoral, povoado, onde se fazem todos os grandes investimentos privados, ou seja, os que são reprodutivos, geram riqueza e criam postos de trabalho e como tal promovem o desenvolvimento territorial e por outro lado, temos o interior cada vez mais despovoado, altamente deficitário em investimento e por onde não passa o progresso. Isto é do conhecimento universal e não é preciso ser-se político.

Se temos um país a dois tempos, com características distintas e diametralmente opostas, é óbvio que o tratamento tem que ser distinto, ou o litoral será cada vez mais desenvolvido e o interior sê-lo-á cada vez menos, agudizando-se gravemente as assimetrias. Claro e simples de entender o óbvio.

Volta e meia aparecem umas medidas que não passam de remendos legislativos, que não convencem e jamais irão convencer alguém a mudar as suas vidas e a deslocar-se para o interior. Só há uma forma de o fazer, adotando políticas que descriminem positivamente aqueles territórios, ou nunca haverá mudança de paradigma. As pessoas e as empresas só colocarão a hipótese de mudar de sítio, se no novo sítio tiverem vantagens compensatórias, nomeadamente ao nível tributário. Se disserem a um investidor que em determinada zona do interior do país paga apenas de metade dos impostos, portagens etc…, do que paga em Lisboa, ou no Porto, ou nem sequer paga, então ele pensará seriamente nessa possibilidade, sejamos práticos e objetivos.

Mas há investimentos do Estado, que também podem, só por si, alavancar o progresso do interior e assim reduzir as tais assimetrias e falemos de dois casos em concreto, em que o Estado, como quase sempre, apregoa bem e faz mal, um de dimensão nacional, outro regional.

Qualquer pessoa percebe que de todas as localizações apontadas como possíveis para construir o novo aeroporto, a zona de Santarém seria incomparavelmente a mais interior e simultaneamente a mais central, constituiria, portanto, um fortíssimo fator alavancador, pelos investimentos diretos e indiretos, sejam do Estado e privados, criando-se uma nova centralidade no país e então sim, um forte contributo para a tão apregoada “coesão territorial”. Mas não, vá lá saber-se por que estranhas razões foram escolher Alcochete, uma zona nada interior e que além do mais obriga a um investimento numa nova ponte sobre o rio Tejo, um investimento que seria evitado na opção Santarém, além dos custos de investimentos compensatórios que os autarcas daquela região se preparam para exigir ao governo.

Outro exemplo é a localização do novo hospital do Oeste, que o anterior governo anunciou para o sul daquela região, mais exatamente entre o Bombarral e Torres Vedras, anúncio que este governo se prepara para ratificar, aproximando assim o novo hospital de uma região já bem apetrechada em termos de oferta hospitalar, deixando ainda mais carenciada e desguarnecida a área a norte do Oeste.

Isto são decisões tomadas por gente impreparada, mal assessorada  e (ou) mal intencionada, que apregoa a “coesão territorial” às segundas, quartas e sextas e se marimba para o interior do país, às terças, quintas e sábados.

Mas também diz o povo que cada um tem os governantes que merece e acho que tem razão.

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