A Fábrica de Cretinos Digitais, os perigos dos ecrãs para os nossos filhos, de Michel Desmurget, foi Prémio Femina de Ensaio em França e editado em Portugal pela Contraponto.
Paradoxalmente, sinto-me num dilema: faço o papel de avestruz, não incomodo o leitor ou, pelo contrário, revelo-lhe a realidade nua e crua.
Para além de não fazer parte de mim optar por viver numa bolha de conforto, também a minha profissão e modus vivendi não pactuam com a arte de bem enganar recorrendo à mentira sedutora e impositiva para servir o inimigo.
Começando a ler um livro que cada vez mais me deixava intranquilo, preocupado e indignado, em tempo de verão e de férias, a primeira reacção foi parar, ignorar e optar por outra leitura mais sedutora…
Porém, a minha consciência humana e profissional não mo permitiram, pelo que novamente mergulhei em busca de todos os perigos que assolam digitalmente a nossa juventude, os quais nos são apresentados como sinais de alerta por um especialista em neurociência, na sequência do seu trabalho de pesquisa, investigação e bom senso, também não desistiu em prol da humanidade e da inteligência humana, a qual sendo algo muito precioso está a sofrer um terrorismo desenfreado e programado para implementar a descerebração em grande escala planetária.
«Costuma dizer-se que a escrita acalma. Receio que nem sempre seja o caso. Por vezes, as palavras só contribuem para a consternação. Lançamo-nos de boa-fé, avançamos escrupulosamente e acabamos por ficar horrorizados.
Este livro é um bom exemplo disso. No início, levado por um conhecimento biográfico ainda fragmentado, apenas exprimia uma vaga incerteza. Depois, lentamente, confrontado, por um lado, com um conjunto cada vez maior de estudos científicos preocupantes e, por outro, com uma inundação de declarações públicas cada vez mais complacentes, desenvolveu-se numa raiva sincera. O que estamos a fazer aos nossos filhos é indesculpável. Provavelmente, nunca na história da humanidade foi realizada uma tal experiência de descerebração em tão grande escala. (…)
Estamos a destruir o futuro das crianças no altar do lucro. As crianças são as mensagens vivas que enviamos a uma época que não veremos.
Incrível semelhança com a sociedade distópica profetizada por Huxley em Admirável Mundo Novo. Por um lado, os Alfas: uma pequena casta minoritária de crianças privilegiadas, preservada desta orgia recreativa e dotada de um sólido capitam humano, linguístico, emocional e cultural.
Por outro lado, os Gammas: uma casta maioritária de crianças desfavorecidas, privadas dos instrumentos fundamentais do pensamento e da inteligência. Uma casta subalterna de executores zelosos, que fala a novilíngua de Orwell, embrutecida pelo entretenimento idiota e feliz com a sua sorte. Para aqueles que possam ser tentados a descartar cegamente este risco, pode ser útil uma breve resenha dos principais pontos deste livro.