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Com “cautela” Kamala vira ao centro dos democratas, mas “fraca” nas explicações das mudanças

Marta Roque

Havia muita expectativa na primeira entrevista de Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e Tim Walz, que conversaram com Dana Bash, da CNN, quinta-feira (29), desde a nomeação da candidatura democrata para as eleições americanas de novembro. Kamala respondeu sobre a mudança das suas políticas em questões como a exploração de petróleo, com a proibição do fracking, questão fundamental no estado de Pensilvânia, sobre a imigração na descriminalização de entradas ilegais no país, e o financiamento do muro.

Kamala Harris tem estado “muito protegida pela campanha democrata para não se submeter a entrevistas ou conferências de imprensa, tendo estado limitada a comícios e a comunicar por scripts”, assegura Ana Cavalieri, especialista em política americana e investigadora do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica ao Estado com Arte Magazine.

A nomeação pelo partido democrata de Kamala Harris, não passou pela fase natural das primárias, um processo em que o “escrutínio aos candidatos é extremamente intenso, tornou esta rejeição a entrevistas e a interpelações diretas de jornalistas em algo que tem sido apontado pelo Partido Republicano como insultuoso para os eleitores,” explica a docente da UCP.

“Desde que foi nomeada até agora, Kamala Harris parece ter seguido a estratégia de se poupar a potenciais fragilidades que tem demonstrado no passado, quando se submeteu a entrevistas ou debates, nomeadamente durante a campanha presidencial nas primárias democratas de 2020, ou numa entrevista desastrosa que fez a Lester Holt, da NBC, já como vice-presidente, relativamente à questão da fronteira,” diz Cavalieri ao EAM.

Kamala Harris mostra ter abandonado linha ideológica à esquerda, que tende a alienar eleitores mais moderados, e recuperado agora com a nomeação a linha ideológica do Partido Democrata mais tradicional e mais virada ao centro, diz Ana Cavalieri.

Segundo a investigadora, Kamala Harris denotou nesta entrevista “uma postura de cautela e de certo incómodo, talvez pela pressão a que tem sido submetida para dar entrevistas, ainda que seja a Dana Bash, uma jornalista veterana da CNN que acompanhou várias campanhas dos republicanos, como John McCain e Mitt Romney, alguém que costuma ser muito combativa e argumentativa com Republicanos, mas que com Democratas adota uma postura mais agradável e simpática”.

Viragem ao centro para conquistar moderados

Ana Cavalieri diz ao EAM que Kamala está “a jogar ao centro, está a tentar recuperar a linha ideológica de Bill Clinton cerca dos anos 90”, posiciona-se mais preocupada com políticas de classe média, economia, saúde e educação, e menos com a linha ideológica que vigora no Partido Democrata na Califórnia, onde ela fez a sua carreira política e que costumava vocalizar na campanha de 2020, focada em políticas de identidade e de inter-seccionalidade, mais conotadas com a esquerda mais progressista, que defende que os EUA é um país marcado com “o pecado original de opressão racial e onde todos os sistemas de poder em vigor, nomeadamente o neoliberalismo e capitalismo, servem primordialmente para avançar a supremacia branca, e que existe uma hierarquia de poder e posicionamento político, onde todos os cidadãos estão indelevelmente marcados pela sua etnia, género, orientação sexual, e as heranças de opressão que dessas identidades advêm.”

Kamala Harris mostra ter abandonado esta linha ideológica, que tende a alienar eleitores mais moderados, e recuperado agora com a nomeação a linha ideológica do Partido Democrata mais tradicional e mais virada ao centro.

A docente da UCP considera que Kamala esteve “excelente relativamente às críticas de Trump quanto à adoção de identidades diferentes consoante a plateia de comícios onde se encontra”, na pergunta da jornalista Dana Bash sobre os ataques ou insultos de Trump, a democrata responde: “isto é o que ele faz, próxima pergunta”. Esta terá sido, segundo a especialista de política americana, uma “estratégia perfeita para lidar com este lado mais truculento, agressivo e insultuoso de Trump.”

Quanto à imigração Kamala mudou de posição e agora subscreve a posição do projeto de lei do Senado, bipartidário que caiu, mas que envolve financiamento do muro na fronteira entre os EUA e o México, algo que em 2020 defendia que nunca iria apoiar.

Explicação “fraca” sobre mudanças de opinião 

“Todos os candidatos à presidência dos EUA, republicanos ou democratas, mudam de opinião relativamente a determinadas políticas quando olham para o mapa eleitoral e têm de ganhar votos suficientes que lhes dê os estados que precisam para chegar à vitória no colégio eleitoral. Mas enquanto muitos políticos justificam a sua opinião de forma hábil e coerente, como Obama que era excelente a explicar aos eleitores razões credíveis que o levaram a mudar algumas das suas posições, Kamala tem sido fraca na sua exposição”, adianta a especialista.

Na visão da investigadora e comentadora da SICNotícias a jornalista norte-americana Dana Bash “pecou por não fazer follow up questions”, uma postura marcadamente diferente da que adotou, por exemplo, com J.D. Vance, candidato Republicano a Vice-Presidente, na entrevista que lhe fez há duas semanas. “Isso não beneficia a candidata, pelo contrário. Kamala Harris precisa de encontrar respostas credíveis que expliquem porque mudou a sua opinião relativamente à proibição do fracking, questão fundamental no estado de Pensilvânia, à descriminalização de entradas ilegais no país, ao financiamento do muro, ao defund the police.

Conflito Israel palestiniano: Kamala avança com objetivos “muito nobres, mas sem qualquer concretização”

Kamala repete a mesma linha que “qualquer pessoa razoável” deve defender, mas que “se revela uma utopia desajustada à realidade do terreno”. Afirma que Israel precisa de garantir o direito de defesa, que os reféns têm de ser devolvidos, as mortes contra civis têm de cessar, o acordo de cessar-fogo tem de ser urgentemente alcançado. “São objetivos muito nobres, mas que, ao momento não se conseguem alcançar, e é na ausência de respostas, planos, soluções para se alcançar as condições necessárias para esses objetivos que Kamala não ofereceu nada em concreto na entrevista,” defende Cavalieri.

“É algo”, afirma a especialista em política americana, “que Kamala diz, porque tem de preservar uma coligação eleitoral dentro do seu partido que está muito dividida nesta questão, existe uma fação mais moderada que quer apoiar Israel como principal aliado dos EUA no Médio Oriente, mas existe outra – bastante vocal – que considera os EUA como cúmplice do que eles consideram como genocídio, e que todo o apoio militar, logístico e financeiro concedido a Israel deve cessar”.

São duas fações opostas, mas Kamala precisa do voto de ambos. A investigadora  acredita que para Kamala “são objetivos muito nobres, diz generalidades, mas que não tem qualquer concretização.”

Outro aspeto da entrevista que Ana Cavalieri considerou fraco foi sobre o estado cognitivo de Biden. Kamala voltou a reiterar que é um “político brilhante, com políticas que fazem muito bem ao país, inteligente, apto a governar”, mas para a docente estas afirmações “são incongruentes com o facto de Kamala Harris ter aceitado ser nomeada com o afastamento de Biden nas circunstâncias em que ocorreu”. Adianta que “quando Kamala aceita a nomeação do partido democrata, fá-lo na sequência da cúpula de poder do Partido Democrata – Obama, Pelosi, Schumer – ter forçado a saída de Biden”, com base na ideia generalizada, confirmada em sondagens desastrosas pós-debate com Trump, que Biden já não possuía a vitalidade e capacidade cognitiva necessária para um cargo como a Presidência dos EUA.

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