Tomás tinha nove anos e até há pouco tempo fora sempre um rapazinho feliz e despreocupado.
Porém, sem perceber porquê, de repente a sua vida levara uma reviravolta inesperada: no final das férias de verão, os pais tinham-se separado, ele ficara com a mãe e com ela se mudara para casa da avó, viúva, que vivia noutra cidade. Assim, tivera também de mudar de escola, deixar amigos, professores e o ano letivo apresentava-se-lhe agora, como algo assustador e desconhecido…
Sentia a falta do pai, da casa, da escola antiga, da professora e dos colegas… e na sua cabeça só perguntava por que razão tudo aquilo tinha de ser assim… nunca vira cenas de violência entre os pais, nem ouvira gritos…de facto, o pai estava pouco tempo em casa, raramente comia com ele e a mãe, e ao fim de semana não faziam programas juntos, porque o pai dizia sempre que estava cheio de trabalho e ausentava-se frequentemente.
Nunca iria conseguir esquecer aquele fim de tarde, em que, no regresso da praia, sentados numa esplanada a comer um gelado, a mãe lhe pegara na mão, aproximara a cadeira e olhando-o nos olhos, com infinita tristeza, lhe dissera que tinha uma novidade para lhe dar: iam deixar a casa onde viviam, mudariam de cidade e iriam os dois viver com a avó, porque o pai e ela achavam ser melhor para o Tomás.
Espantado, sem querer acreditar, ouvira a mãe com voz doce e triste, explicar-lhe que o pai ia mudar-se também, durante algum tempo, para casa de ‘uma amiga com quem queria viver…’
Tinha sido um tremendo choque para Tomás! Ele nunca imaginara a sua vida sem a presença do pai e noutra terra…quando o pai chegava a casa, mesmo tarde e com ele já deitado, ia sempre dar-lhe um beijo à cama, aconchegar-lhe a roupa e deixar- lhe um chocolate na mochila da escola. Mimos, que lhe davam a segurança de se sentir amado e protegido, apesar das suas muitas ausências!
O pai também falara com Tomás, prometendo que o iria buscar muitas vezes e garantindo que jamais o abandonaria.
Em setembro, Tomás e a mãe já estavam a iniciar uma vida nova. A chegada à escola não foi fácil para Tomás. A mãe estava a começar um novo trabalho e não conseguia levar o filho à escola, nem ir buscá-lo. A avó procurava ajudar o mais possível, era ela quem acompanhava Tomás nas idas e vindas da escola; conversava muito com ele, tentando ajudá-lo a enfrentar com optimismo a nova situação, mas sem sucesso, e em breve a tristeza de Tomás se começou a refletir na saúde e no rendimento escolar. A adaptação à escola estava a ser bem difícil! A mãe procurava incentivá-lo, prometendo prémios e passeios de fim-de-semana, mas Tomás mostrava uma crescente apatia e desinteresse.
A professora do 4 o ano, acolhedora e atenta, rapidamente se apercebera da situação e procurava facilitar a sua integração na turma, mas Tomás começou a faltar à escola, ora porque tinha dores de barriga, ora porque se engripava e tinha dores de garganta e febre… não tinha apetite, acordava a chorar a meio da noite com pesadelos e a verdade é que o estudo não corria bem.
A mãe consultara um médico, mas este que não conhecia a criança, nem as suas circunstâncias familiares, limitara-se a receitar o habitual para aquelas queixas e umas vitaminas.
A avó notava com preocupação, como Tomás se transformara numa criança cada vez mais fechada e, mais que uma vez, aconselhara a filha a falar com o marido, a bem do filho de ambos que não tinha culpa do desentendimento dos pais.
Entretanto, na escola, uma só coisa Tomás fazia com imenso gosto: sentado em qualquer canto, na sala de aula ou no recreio, enchia folhas de papel com desenhos e aguarelas, mostrando um enorme talento. Apesar dos elogios e admiração de colegas e professores, Tomás não se empenhava no estudo das outras matérias, parecendo sempre ensonado e distraído.
A professora depressa compreendeu que, através dos desenhos e pinturas, Tomás ia revelando o que guardava no coração e não sabia exprimir por palavras…de início, os seus primeiros desenhos eram paisagens onde se destacava uma casa azul e branca, tal qual aquela onde tinha vivido com os pais. Depois, começou a pintar cenas noturnas, como um quarto escuro, e à janela, olhando um céu estrelado, sempre um rapazinho de costas – bastante parecido com ele próprio – e ao longe, no cimo de um monte, uma única casa iluminada, uma casa azul e branca como a sua …
Tomás porém, nada contava ao voltar a casa. Sempre deixava os desenhos na escola e em casa não pintava, nem desenhava. Apenas se deitava na cama e lia os livros da velha coleção dos Cinco que tinham sido do pai e que o pai lhe oferecera.
Quando o pai telefonava para o ir buscar e passar o fim-de-semana com ele, invariavelmente dizia que estava adoentado e recusava. Só fora uma vez, muito contente, mas regressara cabisbaixo e nunca mais quisera voltar.
Acabou por contar à avó, algum tempo depois, que não queria voltar, porque a amiga do pai tinha uma filha pequena e o pai naqueles dois dias, andara com ela ao colo e dera- lhe mais atenção a ela do que a ele…
A mãe, entretanto, ia telefonando à professora e pedindo notícias, e ela enviava-lhe com frequência, fotos dos desenhos de Tomás, por whatsaapp.
Certo dia, em meados de Novembro, após mais uma semana de faltas à escola, a professora de Tomás chamou a mãe e a avó de urgência. Estava seriamente preocupada, e mostrou-lhes a última redação e os últimos desenhos de Tomás…
A professora tinha pedido a todos os alunos para escreverem uma carta a alguém de família, anunciando uma surpresa… mas a carta de Tomás era estranha, no seu entender. Com efeito, era uma carta de despedida, carta de um filho a seus pais, dizendo que ia partir de viagem e não sabia se voltaria a vê-los…e os dois últimos desenhos, com pequenas diferenças, mostravam a figura de um rapazinho deitado numa cama de hospital, entubado, e um casal debruçado sobre ele.
Ainda na presença das duas e a pedido insistente da avó, a professora telefonou ao pai e pediu-lhe para vir à escola, pois tinha urgência em falar com ele e lhe mostrar uns trabalhos do filho. O pai, apesar da distância, percebendo pelo tom de voz que alguma coisa não estava bem, meteu-se no carro e compareceu uma hora depois, já mãe e avó tinham voltado para casa.
Qual não foi porém, o susto e aflição destas, quando à chegada a casa não encontraram Tomás. A vizinha, a quem tinham pedido para ficar a tomar conta dele enquanto iam à entrevista da escola, estava muito aflita também, porque ele desaparecera, enquanto ela fora a casa apenas buscar um casaco e até deixara a porta encostada. Correram a casa toda, chamando por ele, mas em vão! Não havia sinais de Tomás. Foram ao café e supermercado da esquina perguntar por ele, mas também ali ninguém o tinha visto. Mãe e avó entretanto, deram conta de que Tomás fora ao seu mealheiro e levara o seu dinheiro, um casaco, um gorro e mais nada. Encontraram na cama, debaixo da almofada apenas um bilhete a dizer: ‘Querida mãe e querida avó! Não me procurem… adeus’.
Mãe e avó pensavam que ele não podia estar longe. Telefonaram ao pai, à polícia, e meteram-se no carro, procurando Tomás pelas ruas em redor. De repente, a avó lembrou-se que ele talvez quisesse ir para a estação de camionagem, para voltar à cidade onde vivera com os pais, mas aí ninguém lhe venderia um bilhete por certo, ao ver uma criança sozinha … era uma esperança!
Imediatamente tomaram essa direção e de facto, aí o foram encontrar. Já era noite. Estava frio, e Tomás, todo encolhido e tiritando, sentara-se no chão, a um canto, para não ser visto, pois só teria camioneta no dia seguinte. Entretanto, também o pai chegou pouco depois.
Assim que o viram, todos três correram a abraçá-lo. Tomás chorava, encostado ao pai e à mãe e, por entre soluços, dizia: “ Eu tinha tantas saudades… eu só queria ter o pai e a mãe sempre comigo … “
Nessa noite, depois de uma refeição quente em casa da avó, Tomás e os pais meteram-se no carro. Embrulhado numa manta, Tomás adormeceu no banco de trás, com um enorme sorriso nos lábios. Os três voltavam finalmente, à casa azul e branca.