Prémio Sakharov, ontem, atribuído aos líderes venezuelanos Edmundo González e María Corina Machado, grandes lutadores pela democracia, era já o resultado esperado, face às notícias que foram saindo: era uma candidatura com tradição parlamentar anterior; estava bem ancorada em apoios políticos alargados; e respondia à urgência e à oportunidade da gigantesca fraude eleitoral de Nicolas Maduro.
O Prémio Sakharov, que acaba de anunciar os galardoados em 2024, é “o maior tributo prestado pela União Europeia (UE) ao trabalho desenvolvido em prol dos direitos humanos”, lê-se na sintética apresentação oficial, na respetiva página do Parlamento Europeu.
O nome completo é “Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento”, devendo o batismo à homenagem europeia a um célebre dissidente soviético, o físico russo Andrei Sakharov. Embora dito “da liberdade de pensamento”, a prática alargou-o a outros fundamentos, como liberdade de expressão, aprofundamento da democracia, primado do Estado de direito, a paz, direitos das minorias, respeito pelo direito internacional. Em suma, o Prémio Sakharov, atribuído anualmente pelo Parlamento Europeu desde 1988, é o maior galardão europeu em matéria de direitos humanos e um dos mais notórios no mundo. Já contemplou figuras de língua portuguesa, como Xanana Gusmão (1999) e, por minha proposta, o Arcebispo D. Zacarias Kamwenho (2001), de Angola. E distinguiu personalidades já muito famosas como, ainda preso, Nelson Mandela (1988), Aung San Suu Kyi (1990) ou Malala (2013).
Quando fui deputado ao Parlamento Europeu (1999/2009) envolvi-me muito no Prémio Sakharov, tendo participado em várias candidaturas vencedoras. O processo favorece o amadurecimento da decisão. Até julho, antes de o Parlamento fechar no Verão, os grupos ou deputados apresentam as candidaturas; em setembro, as comissões de assuntos externos, desenvolvimento e direitos humanos apreciam as candidaturas; também em setembro, a reunião plenária conjunta das comissões de assuntos externos e de desenvolvimento fixa, por voto secreto, uma lista restrita de três candidaturas; e, em outubro, a conferência de presidentes escolhe a candidatura ou as candidaturas vencedoras. O Prémio é entregue, em dezembro, no decurso da sessão plenária deste mês em Estrasburgo.

O Prémio Sakharov, ontem, atribuído aos líderes venezuelanos Edmundo González e María Corina Machado, grandes lutadores pela democracia, era já o resultado esperado, face às notícias que foram saindo: era uma candidatura com tradição parlamentar anterior; estava bem ancorada em apoios políticos alargados; e respondia à urgência e à oportunidade da gigantesca fraude eleitoral de Nicolas Maduro. O escândalo internacional não cessou de crescer desde as eleições de 28 de julho (a somar a tudo o que já acontecera antes) e a feroz perseguição pelo “madurismo” aos opositores (que ganharam a eleição) não dá mostras de abrandar.
O Prémio Sakharov é uma forma de encorajar e compensar moralmente os que são perseguidos e um modo mais de aumentar a pressão internacional sobre um regime completamente desacreditado.
A candidatura de Edmundo González Urrutia (o candidato presidencial vencedor, mas “roubado” do mandato) e de María Corina Machado (a formidável líder no terreno, impedida por Maduro de concorrer) ganhou a dianteira no processo parlamentar. Por um lado, as notícias dramáticas vindas sucessivamente da Venezuela tornavam-na imperativa. Por outro lado, era a candidatura apresentada pelo Partido Popular Europeu (PPE), o maior grupo político, dentro do qual a coligação hispano-lusa é muito ágil na agenda da democracia na América Latina – neste ano, destacou-se Sebastião Bugalho nesta tarefa. A mesma linha triunfara já, no Prémio atribuído em 2017 à Oposição democrática na Venezuela e, na década anterior, com foco em Cuba, nos Prémios que distinguiram Oswaldo Payá (2002), Las Damas de Blanco (2005) e Guillermo Fariñas (2010) – integrei as duas primeiras candidaturas. Este Prémio para Edmundo González e María Corina vem na mesma linha política, cívica e humanitária, como confirmamos no envolvimento cubano na repressão sobre os venezuelanos. Maduro junta o pior do mundo em torno de si: Putin, Irão, Coreia do Norte e Cuba.
São bem acertadas as palavras que Roberta Metsola, a Presidente do Parlamento Europeu, dedicou aos dois vencedores: “representam todos os venezuelanos dentro e fora do país que combatem para restabelecer a liberdade e a democracia perante a injustiça”, e corporizam “os valores que milhões de venezuelanos e também este parlamento partilham: justiça, democracia e Estado de direito”. Saudação a que ambos os galardoados responderam na rede social X.
Escreveu Edmundo González, a abrir uma longa saudação, que pode ler na íntegra: “Estamos honrados e gratos! Este prémio representa, acima de tudo, a profunda solidariedade dos povos da Europa para com o povo venezuelano e a sua luta pela recuperação da democracia.” E afirmou Maria Corina: “Agradeço estas palavras sinceras dirigidas ao povo venezuelano pela Presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, no momento do anúncio do Prémio Sakharov 2024. Este reconhecimento reafirma o nosso compromisso de lutar até sermos livres, e vamos consegui-lo.”
María Corina Machado é, nesta altura, aquela que se encontra em situação de maior perigo. Está dentro da Venezuela, vivendo na clandestinidade. Maduro dá-lhe caça, mas ainda não conseguiu prendê-la. Não podemos esquecer, porém, que continuam encarcerados nas prisões políticas do regime do “socialismo do século XXI”, vários dirigentes, como María Oropesa, presa em directo, no princípio de agosto, quando lhe arrombaram a porta de casa. Nesta altura, o número de presos políticos na Venezuela aproxima-se já dos 2.000 e é, segundo a imprensa, o número mais alto deste século.
A Venezuela é uma enorme tragédia de tirania e miséria, de violência e corrupção, de absoluta falta de vergonha e absoluta falta de sentido de retidão e do Bem Comum. A corrupção, aliás, internacionaliza-se, como, agora, com o caso “Delcygate”, como lhe chamam na vizinha Espanha por estes dias: uma trama que envolve a Vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodriguez, e toca o governo Pedro Sanchéz. Teias corruptas que ajudam a compreender por que razão o regime Maduro não é mais severamente alvejado pela comunidade internacional e a protecção de que goza por parte da esquerda europeia e mundial. Um escândalo!
Quem vê as imagens de famílias venezuelanas a fugirem para o Brasil, largando tudo para trás e refugiando-se por um pouco de segurança e um vislumbre de futuro, quem tem presentes os largos milhões de venezuelanos que têm fugido do seu país nos últimos anos, numa crise migratória ímpar, não pode deixar de comover-se e, assim, de indignar-se pela multidão de indiferentes e de cobardes que, nas lideranças e nos parlamentos do mundo, deixam tudo isto acontecer há mais de 10 anos. E cada vez pior.
Que Deus inspire os líderes venezuelanos em que o povo confia, Edmundo e Maria Corina. Que dê coragem e astúcia a Maria Corina. Que proteja o povo e lhe renove sempre a força, a tenacidade e a determinação, na luta pela justiça e pela liberdade. Que Deus lhes dê a vitória que merecem.