Carmo Almeida, artista visual, trocou a profissão de diretora de serviços de informática nas Telecomunicações, para se dedicar à arte. Lisboeta, nascida no Campo Grande, criada em Benfica, fez a licenciatura na Faculdade de Ciências de Lisboa em Matemática Aplicada à Computação, é casada, tem um filho de 25 anos e vive no Parque das Nações, em Lisboa, há 20 anos.
Faz fotografia de paisagem (da pesada, com 10 kgs de material às costas incluindo tripé), adora dançar, ver mar e desportos ao ar livre. Já leu muito, agora menos. Os seus escritores preferidos são Kafka e Saramago.
Quem é a Carmo Almeida?
A Carmo Almeida é uma sonhadora, romântica ao ponto de achar que é o Amor que faz girar o mundo. O entusiasmo que sinto pela pintura e pela fotografia são as minhas formas de espalhar amor, de criar na tela sonhos coloridos, e na fotografia imagens expressivas, por vezes romantizadas, da realidade. O partilhar com os outros, receber as suas críticas, entender as suas emoções, é muito importante para mim. Cada vez dou mais importância à relação com os outros. Ao prazer de me oferecer aos outros e de receber dos outros o que eles me podem dar.
Hoje considero-me uma artista visual, mas andei por caminhos tecnológicos durante a maior parte da minha vida. Mantenho o gosto pela descoberta e investigação de tecnologias que me permitem melhorar as minhas criações artísticas, quer na fotografia, quer no processo da criação duma nova pintura.
De resto, amo de paixão embrenhar-me na natureza, tanto quanto amo dançar, ir a um bom concerto (se for do meu filho ainda melhor), jantar com amigos, viajar. Sou lisboeta, casada, tenho um filho de 25 anos e quero tirar o máximo partido da vida! Não queremos todos?
O que é para si pintar? A sua relação com a tela foi amor à primeira vista?
Para mim pintar é o espaço onde encontrei liberdade! Onde permito que as minhas emoções e inquietações se libertem e ganhem forma. E é também um espaço de partilha. Através dela, transformo o que sinto em algo que os outros possam sentir também. Posso dizer que é sobretudo algo que me liga aos outros.
A minha relação com a tela não foi amor à primeira vista. Sempre gostei de desenhar e fazia-o normalmente em carvão sobre papel. As minhas primeiras tentativas de usar cor e de pintar em tela, não foram felizes. Foi preciso ter aulas de pintura, no atelier do pintor Rui Carruço, para me deixar envolver com a tela e tomar o gosto por usar o pincel, a trincha ou a espátula, com liberdade de movimento sobre a tela. Hoje é o meu meio preferido.
Se fosse possível seria a sua única profissão?
Viver exclusivamente da Arte é muito difícil. O mundo empresarial e a sociedade em geral, não valoriza os artistas em termos de reconhecimento e retorno económico. Existe a ideia de que a Arte é algo que se realiza com prazer e é inato, não necessita de investimento em aquisição de skills, logo não precisa de ser bem remunerada. O que é completamente errado.
Juntando a isto, o mercado da arte ser pequeno em Portugal, existirem poucos locais para expor e os que existem terem preços exorbitantes para os artistas, o baixo poder de compra dos portugueses, a concorrência com impressões baratas em massa e a inexistência de apoios estatais para artistas, torna o viver exclusivamente da Arte, impossível em Portugal!
Aos poucos vai ganhando notoriedade inequívoca. Tem algum ídolo que gostasse que tivesse uma obra sua na sala?
Só o facto de alguém sentir prazer em ter uma obra minha na sala, já é uma satisfação gigante. Na verdade, não precisa de ser um ídolo meu. Mas obviamente se me dissessem que o Vhils tinha uma obra minha na sala, ficaria em êxtase!
Após a venda de um quadro não fica com saudades? Existem algumas amarras emocionais?
Atualmente não fico com saudades. Quando comecei a vender quadros, ficava sim. Mas aprendi o desapego e hoje valorizo muito a partilha. No entanto, há alguns quadros que pintei para mim, e esses não vendo.
Que dissonâncias têm para si a I.A. nesta tua atividade?
Sou uma defensora da utilização da IA na arte, mas estou consciente que para além dos benefícios também traz perigos. Desde logo a questão da autoria. Que sentido faz ser permitido a uma aplicação de IA utilizar bancos de dados de obras de artistas, sem qualquer regra? Isso é apropriação e tem de ser regulamentado.
Outro dos perigos que me preocupa é que com o acesso a ferramentas de IA torna-se simples obter resultados que outrora só alguns experts em tecnologias complexas conseguiam produzir. Será que o valor das peças originais pelo processo artesanal não deveria ter mais valor do que o conseguido através duma ferramenta de IA?
Temos toda uma realidade nova para absorver e ponderar, mas mesmo com estas dissonâncias, julgo que se a IA for vista como uma ferramenta adicional e não como um substituto, pode ser integrada de forma a ampliar o potencial criativo, desde que o artista mantenha uma posição de controle sobre o processo.
O que sente quando olha para trás? Que caminhos gostaria de percorrer? Há algo superior que deseje alcançar?
Quando olho para trás, focando-me no meu percurso como artista, sinto que me movo muito devagar. Gostava de já ter conseguido pintar muito mais do que pintei. Tenho tantas obras na cabeça, tantas experiências por fazer…
Julgo que penso demais, analiso e planeio demais antes de começar uma obra. Espero alterar isso no futuro!
No entanto faço um balanço positivo destes 8 anos como artista visual. Mais de 100 obras criadas, metade das quais adquiridas pelos meus queridos clientes e amigos. Três exposições individuais e mais duma dezena de exposições coletivas, uma delas internacional. Através da Park.Arte, que é uma comunidade de Artistas do Parque das Nações (da qual fui co-fundadora em 2019), realizei muitas ações de dinamização da Arte na freguesia, como exposições, sessões de desenho e workshops infantis.
Quais são as suas influências?
Dagoberto, Kiki Lima, Rui Carruço, Bual, Júlio Pomar, Renoir, Lautrec e muito recentemente estou a amar a obra de Mark Tennant. Depois há o incontornável Van Gogh que é um poeta da cor e da plasticidade!
Se estivesse perdida numa ilha deserta e encontrasse Gauguin, o que lhe diria?
Pedia-lhe para me contar a sua versão da sua relação com Van Gogh.
Faz muita reflexão antes e depois da obra concluída?
Antes de iniciar a obra faço todo o seu planeamento e faço vários esboços digitais para amadurecer a ideia e experimentar várias composições estéticas. Este tempo é 1/3 do tempo total de execução da obra. Depois de realizada e antes de envernizar, costumo pendurá-la em casa e conviver com ela durante algum tempo para me aperceber se estou satisfeita com ela.
Alguma vez sentiu que um quadro poderia não estar acabado?
Sempre. Passo sempre por essa fase.
É um lugar-comum perguntar se a criatividade oscila com o humor? Reflete mais a tristeza ou a alegria nas suas obras?
Nas minhas pinturas, que normalmente são trabalhos de várias semanas, prefiro refletir alegria. Sou uma pessoa positiva e por isso tenho tendência para usar uma paleta de cores vibrantes e alegres.
É verdade que quando estou em momentos menos alegres, uso o desenho a carvão ou o desenho digital, para realizar pequenos trabalhos e expurgar os meus fantasmas. Tenho uma conta de instagram, à parte, que eu chamo o meu lado B, apenas com publicações destes pequenos trabalhos.
Relação entre algo contemporâneo e a sua arte…
As minhas últimas obras em que mais me revejo, da “Série musas”, misturam movimento, ligação com o natural e uma abordagem ao mesmo tempo figurativa e abstrata. Figuras humanas estão imersas num ambiente abstrato, cheio de movimento e de elementos naturais que quase se fundem com elas. A intensidade das cores e as pinceladas soltas trazem à mente uma estética onde o corpo é representado, mas sem contornos precisos, quase se dissolvendo no cenário.
Este estilo insere-se na linha da arte emocional e do surrealismo contemporâneo, de onde destaco duas pintoras contemporâneas com quem sinto afinidades: Daria Petrilli que utiliza efeitos etéreos e sobreposições para explorar o subconsciente e o mundo dos sonhos e Meghan Howland, que usa naturezas vibrantes em conjunto com figuras para refletir a complexidade da relação entre o humano e a natureza.