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Macron. A “precaridade potencial” de qualquer executivo que venha a ser constituído

Marta Roque

Quase uma semana após a queda do governo de Michel Barnier, o chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, convidou líderes partidários e líderes parlamentares para a formação de novo governo esta terça-feira, no Palácio do Eliseu, às 14h. Com a exceção de La France Insoumise (LFI) e do Rally Nacional (RN), apesar do pedido de Jordan Bardella para ser recebido no Palácio do Eliseu com Marine Le Pen, avança Le Fígaro. Os convites são dirigidos a partidos “que indicaram que estão numa lógica de compromisso com o objetivo de formar um governo de interesse geral ou torná-lo possível”, justifica a presidência. 

Carlos Blanco de Moraes, catedrático de Direito da Universidade de Direito de Lisboa, tece duras críticas a Emammuel Macron que criou um “quadro de ingovernabilidade inédito” na V República, alimentando um cordão sanitário à direita, mas não conseguindo dialogar com a esquerda que exige a sua renúncia, sendo responsável por uma dívida e um défice “anómalos”.

Macron chegou a lançar “irresponsavelmente” a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia potenciando o risco de uma guerra da NATO com a Rússia.  Juntamente com Scholz tem tornado a União Europeia cada vez mais irrelevante na cena internacional.

O maior risco político e financeiro, segundo o Professor de Direito, num período de crise internacional e de pressão externa sobre a União Europeia, consiste “na eventual sequência de vários governos precários que se sucedam até às inevitáveis eleições” no período posterior a julho de 2025.

A crise atual  em França com a queda do governo francês “é uma consequência direta da desastrada decisão de Macron em dissolver a Assembleia Nacional, depois da derrota sofrida nas eleições europeias de junho, às mãos do Rassemblement National de direita radical soberanista, de Marine Le Pen e de Bardella”, diz o Professor Catedrático de Direito, Carlos Blanco de Morais em entrevista ao Estado com Arte Magazine.

“O Presidente deveria ter aprendido com o deslize de Chirac que com uma dissolução parlamentar prematura em 1996, ao tentar reforçar a maioria absoluta que tinha na Assembleia em tempos de contestação, acabou por dar a vitória aos socialistas,” comenta.

Nas eleições que antecipou em Julho, o seu bloco centrista de partidos aliados, o Ensemble por La Republique, trocou uma maioria relativa que se mantinha “periclitantemente no Governo do jovem Atall, por uma pesada derrota”, ficando, na segunda volta, em número de votos, com 23%, atrás do Rassemblement National com 37% e do Noveau Front Populaire de esquerda radical, com 25,6%.

O resultado em número de assentos na Assembleia, que na segunda volta potenciou uma “aliança negativa” com desistências mútuas de centristas e da esquerda radical, penalizou o Rassemblement National tido como vencedor na primeira volta e criou quatro blocos políticos minoritários que, todavia, se detestam e recusam fazer alianças: os soberanistas radicais do Rassemblement e seus aliados conservadores da UDR com 141 lugares; os macronistas do Ensemble por La Repúblique com 151; o bloco de esquerda radical aliado a verdes e socialistas com 178; e os gaulistas de centro-direita, com 39.

O Governo do ex-Comissário Barnier, resultando de uma penosa e divisiva coligação minoritária dos partidos macronistas com os gaulistas, “procurou passar entre os pingos da chuva, com a tolerância da direita radical”, assegura Blanco de Morais ao Estado com Arte Magazine.

Carlos Blanco de Morais, Professor Catedrático de Direito da Universidade de Direito de Lisboa, admite a possibilidade de vários governos precários até às legislativas francesas em 2025

“As razões imediatas da queda do Governo Barnier deveram-se à falta de consenso sobre a configuração do novo Orçamento que continha medidas de austeridade para reduzir o défice. A esquerda radical que, por ter o maior número de assentos parlamentares, reclamava formar Governo, recusou qualquer viabilização orçamental. Já a direita soberanista da senhora Le Pen negociou a viabilização, colocando 4 linhas vermelhas, o que levou Barnier a acreditar que, cedendo em três delas, teria conseguido passar o Rubicão,” sublinha.

O facto é que a quarta linha, a da reforma das pensões, colidiu com uma recusa Marine Le Pen em deixá-la passar, Barnier respondeu com a aprovação do Orçamento por decreto e a direita e esquerda radical responderam com uma de entre várias moções de censura, tendo uma delas derrubado o Governo, no entender do catedrático.

O impacto imediato da queda é o de “um quadro de potencial ingovernabilidade num cenário de crise económico-financeira e de alta tensão internacional”. Carlos Blanco de Morais justifica que “de acordo com a Constituição, a Assembleia não pode ser dissolvida senão em Julho de 2025. Até lá, a fragmentação parlamentar e a relutância azeda dos três maiores blocos em viabilizarem um governo saído de um deles prognostica uma precaridade potencial de qualquer executivo que venha a ser constituído.”

Com um défice record de 6,1% que desafia todos os limites impostos pelo direito europeu, com um spread dos juros da dívida pública a subirem +20% e a descolarem do patamar mais próximo da dívida alemã, com a produção industrial periclitante e frente à ameaça de Trump em aumentar as tarifas sobre produtos europeus, a ingovernabilidade gerada pela presente situação pode ser acompanhada por uma grave crise financeira. “Se bem que uma maioria da população inquirida tenha concordado com a censura ao Governo ( 54%, numa sondagem do Figaro), um agravamento da crise económica pode ter efeito de boomerang sobre os partidos que a votaram.”

Fragilidades de Macron: “hedonista”, “diz uma coisa e o seu contrário”

Para o catedrático de Direito, Macron é, “salvo melhor opinião, o mais desastroso Presidente da V República e a Divina Providência permita que não acabe com ela, já que a Constituição de 1958 deu à França, com mais ou menos contestações de rua e revoltas no campo, décadas de estabilidade governativa.”

Considera que Macron é um “produto genético do transnacionalismo financeiro da Goldman Sachs, hedonista, dizendo uma coisa e o seu contrário, entrou em perda depois da derrota nas europeias, desnorteou-se politicamente no pico da sua soberba política e despoletou uma dissolução parlamentar suicidária que desestruturou por completo o sistema partidário.

Criando um quadro de “ingovernabilidade inédito na mesma V República, alimentando um cordão sanitário à direita, mas não conseguindo dialogar com a esquerda que exige a sua renúncia, sendo responsável por uma dívida e um défice anómalos, o “Júpiter do Eliseu” chegou a aventar irresponsavelmente a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia potenciando o risco de uma guerra da NATO com a Rússia.”

Por outro lado, segundo o docente de Direito, Macron é um dos autores, juntamente com Scholz com quem dificilmente comunica, da panne do motor franco-alemão que tem tornado a União Europeia “cada vez mais irrelevante na cena internacional”. Finalmente, fez a França perder influencia política e militar em África, com a expulsão humilhante de tropas francesas, nas suas bases no Senegal, Mali, Alto Volta, Níger e Chade.

“Que dizer, pois, de um Presidente com uma taxa de 73% de rejeição no eleitorado e com 59% desejando a sua renúncia (sondagem do YouGov divulgada pelo Le Point no dia 7 de dezembro)? pergunta Blanco de Morais.

Novo governo ou vários governos precários até às legislativas de 2025?

O maior risco político e financeiro, segundo o Professor de Direito, num período de crise internacional e de pressão externa sobre a União Europeia, consiste “na eventual sequência de vários governos precários que se sucedam até às inevitáveis eleições” no período posterior a julho de 2025.

O bloco esquerda radical liderada por Melanchon, pese as suas divisões, exige formar governo, invocando possuir uma maioria relativa de deputados e propondo como Primeira-Ministra, Lucie Castets. “Macron resiste, pois teme a aplicação de um programa económico-social coletivista e divisivo e um descontrolo migratório ainda maior, mas pode ser tentado a potenciar essa solução, para desinflar a tensão política, seguro que semelhante Governo seria imediatamente derrubado com os votos dos restantes partidos,” explica.

Recusando qualquer compromisso com o Partido de Le Pen, o Presidente poderá, em alternativa, ensaiar ou um executivo técnico, ou um acordo parlamentar de governo entre verdes, radicais, socialistas, centristas e gaulistas, o qual, em tese poderia ter o apoio de 317 lugares, fraturando a Nouvelle Front Populaire. “O facto é que esta hipótese que poderia tentar os socialistas ( caso o primeiro-ministro saísse das suas fileiras), não contaria facilmente com o suporte de verdes e gaulistas.”

Discurso de Macron na inauguração de Notre Dame

 

Emmanuel Macron discursou na inauguração da Catedral de Notre Dame, sábado passado,  7 de dezembro, com a participação de 2.400 pessoas na cerimónia de abertura depois de incêndio que destruiu a Catedral há cinco anos.. O chefe de Estado fez um breve discurso para uma plateia de patrocinadores, chefes de Estado e ex-ministros.

O Presidente francês discursou junto à imagem da Virgem do Pilar, onde Paulo Claudel nas Vésperas de Natal de 1886 redescobriu a fé – amante das letras e da espiritualidade intelectual, discípulo de Paulo Ricoeur, lembrado no seu discurso. Macron disse que devolve a Catedral ao cristianismo, terminando com “Viva Notre-Dame, viva a República, viva a França”.

Notre Dame representa um “símbolo genético do cristianismo na Europa e não um monumento ao ecumenismo envolvente de todas as religiões, como pretende algum discurso espongiforme”, comenta o docente.

Na visão do Professor de Direito o inesperado incêndio constituiu uma “tragédia e um sinal de mau-agoiro num tempo de crise da Europa, do cristianismo e da própria Igreja Católica. Contudo, a cruz de Notre Dame, junto ao altar, permaneceu de pé entre as ruínas e isso representou, igualmente, uma forte imagem simbológica. A sua reconstrução interna tão célere e eficaz, o momento poderoso da sua reinauguração e a ideia da sua devolução à cristandade é um sinal de esperança num tempo crítico.”

Macron vai resistir até as próximas eleições legislativas?

Carlos Blanco de Morais afirma que  “é difícil prever se Macron vai resistir até às eleições legislativas de Julho. Não existe presentemente uma maioria coerente para a sua destituição (dois terços, de acordo com o artº 68 da Constituição), que, a ocorrer, seria um processo inédito na V República.”

Contudo, com uma desaprovação pública tão elevada, se nenhum governo conseguir ser formado com um mínimo de estabilidade e se o arrastamento da crise política até julho vier a ser acompanhada por uma crise económico-financeira grave e uma contestação violenta na rua e no campo, o Presidente “poderá ser pressionado a renunciar, nomeadamente pelo grande capital que sempre caminhou a seu lado”.

“No limite, num quadro de absoluta necessidade, os blocos de direita radical, esquerda e centro-direita podem forçar a sua destituição, para mudar o ciclo político ou então aprovar uma lei constitucional especial que permita antecipar as eleições,” conclui Blanco de Morais.

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