“DESCENDIT DE CAELIS”

Susana Mexia, Professora de Filosofia

A concepção de um mundo em que já não há um alto e um baixo, a concepção de um mundo igual em tudo, sem pontos de referência fixos, não é só exterior. Ela corresponde também a uma nova atitude perante a realidade que vê o conceito do alto e do baixo como um engano e quer fazer descer tudo o que está no alto em nome da igualdade, da liberdade e da dignidade do homem.

Este livro reúne, as meditações dos exercícios reelaboradas, que Joseph Ratzinger pregou a João Paulo II e aos membros da Cúria Romana na Quaresma. (…)
«Propus-me desenvolver uma contemplação pascal do mistério de Cristo e da Sua Igreja em que o Tudo permanecesse sempre em relação directa com as circunstâncias concretas da vida», Joseph Ratzinger in Prólogo.
Inspirando-se nos textos da liturgia o, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, propôs-se desenvolver nestas meditações uma contemplação pascal do mistério de Cristo e da sua Igreja que possibilitasse, por meio de uma maior aproximação dos mistérios da vida de Jesus, uma reflexão sobre a missão da Igreja à luz da Páscoa e o sentido que o caminho pascal deve ter para todos os cristãos.

Quem lê este livro não pode deixar de se aperceber da conjugação admirável que o seu autor consegue fazer entre o pensamento teológico e a riqueza da espiritualidade.

Ao leitor é, assim, dada a interessante possibilidade de percorrer, a par e passo e de uma forma particularmente enriquecedora, o caminho da Quaresma, reflectindo sobre a fé e algumas das questões que mais frequentemente se colocam hoje à humanidade, como o celibato sacerdotal, a procura da espiritualidade, o problema da fome e da pobreza, a natureza humana e divina de Cristo ou a confiança imprescindível que os homens devem depositar no Deus que os ama e nunca os abandona.

Porém, não resisto a destacar uma passagem que muito me surpreendeu, pela actualidade que ainda hoje aufere, não obstante já dezanove anos serem volvidos: «Depois de ter confessado a divindade eterna de Jesus, o grande Símbolo ecuménico dos concílios de Niceia e de Constantinopla começa a sua confissão do mistério da Encarnação com estas palavras: “Por nós homens, e para nossa salvação, desceu dos Céus”. Se a palavra tão discutida “consubstancialidade” (da mesma substância) é a palavra da confissão da divindade do Senhor, o núcleo do mistério da Encarnação exprime-se particularmente no vocábulo “desceu”. O Filho de Deus “desce”.
A mentalidade moderna acha descabida a acção deste verbo.

Penso que será este o motivo por que, por exemplo, a tradução alemã o omite. Mas é precisamente em tais termos, em palavras à primeira vista implausíveis, que o mistério bate à porta do nosso coração. …
Porque é que esta fórmula parece implausível? Quais são os motivos de uma certa resistência em aceitá-la? (…)
Não nos agrada a ideia de que alguém desça do alto. Não queremos a palavra “condescendência”: queremos paridade. …

A concepção de um mundo em que já não há um alto e um baixo, a concepção de um mundo igual em tudo, sem pontos de referência fixos, não é só exterior. Ela corresponde também a uma nova atitude perante a realidade que vê o conceito do alto e do baixo como um engano e quer fazer descer tudo o que está no alto em nome da igualdade, da liberdade e da dignidade do homem.

Na realidade, poderemos dizer como conclusão: se Deus desceu, se agora está em baixo, então também o baixo se tornou alto, desaparecendo a velha divisão em alto e baixo, e a concepção do mundo e do homem alteraram-se. Mas foram alteradas precisamente por esse Deus que desceu.

Por isso, permanece, antes de tudo, a afirmação irreversível e insubstituível: Ele desceu. E isto significa que existe a altura, a majestade, o senhorio de Deus e de Jesus Cristo; a majestade absoluta da sua palavra, do seu amor, do seu poder. Existe o alto – Deus. (…)

A majestade intangível d´Aquele de quem tudo vem deve ser, em primeiro lugar, chamada à memória; se ela não for percebida, também a descida de Deus perderá a sua grandeza e esfumar-se-á na monotonia geral das flutuações sem propósito daquilo que é sempre igual.

Se não for percebida, o drama da história, o drama da humanidade perderá a tensão e todo o sentido; mas não só: o próprio homem não crescerá, ficando, pelo contrário, diminuído; certamente nunca mais será um “alto” no mundo, mas um dos seus jogos nos quais experimenta as suas possibilidades, “o animal ainda não definido” segundo Nietzsche.
Quem quiser compreender a descida deve ter compreendido, primeiro, o mistério do “alto”, que é indicado pelas palavras “o céu”.»

Papa Bento XVI foi sucessor do Papa São João Paulo II, o cardeal Ratzinger foi eleito no conclave em de 2005, o 265.º Papa.

Bento XVI (em latim: Benedictus P.P. XVI), nascido Joseph Aloisius Ratzinger (Marktl am Inn, 16 de abril de 1927), foi Papa da Igreja Católica e Bispo de Roma de 19 de abril de 2005 a 28 de fevereiro de 2013, quando oficializou a sua abdicação. Posteriormente foi Papa Emérito e Romano Pontífice Emérito da Igreja Católica.

É considerado, no catolicismo, um dos maiores teólogos da história. Autor de inúmeras obras, também se destacou no combate ao Marxismo, a algumas ideologias e à Teologia da Libertação, considerada por ele inimiga da Igreja e das Escrituras.

Foi eleito, no conclave de 2005, o 265.º Papa, com a idade de 78 anos e três dias. Dominava pelo menos seis idiomas, entre os quais alemão, italiano, francês, latim, inglês, castelhano e possuía conhecimentos de português, ademais lia grego antigo e hebraico. Foi membro de várias academias científicas da Europa como a francesa Académie des sciences morales et politiques e recebeu oito doutoramentos honoríficos de diferentes universidades, foi também cidadão honorário das comunidades de Pentling (1987), Marktl (1997), Traunstein (2006) e Ratisbona (2006).

Era pianista e tinha preferências por Mozart e Bach. Em abril de 2005 foi incluído pela revista Time como sendo uma das cem pessoas mais influentes do mundo.
Ratzinger foi o primeiro Decano do Colégio Cardinalício eleito Papa desde Paulo IV, em 1555, o primeiro cardeal-bispo eleito Papa desde Pio VIII, em 1829, e o primeiro superior da Congregação para a Doutrina da Fé a alcançar o Pontificado, desde Paulo V, em 1605.

Também foi o primeiro pontífice a visitar um museu judaico. Renunciou em 28 de fevereiro de 2013, alegando a idade avançada e o cansaço físico que já não lhe permitiam exercer adequadamente o pontificado.
O Papa Emérito Bento XVI faleceu em 31 de dezembro de 2022.

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