O Programa do governo para a Justiça borda também a celeridade processual, contudo sem mencionar a violência doméstica. Ora, um dos atuais problemas de morosidade na Justiça prende-se, precisamente, com a excessiva demora da fase de inquérito neste tipo de criminalidade. Os atrasos nestes processos potenciam a revitimização e colidem com os princípios da Convenção de Istambul e da Diretiva (UE) 2024/1385.
No dia 14 de junho foi apresentado o Programa de Governo, que dedica 14 páginas às metas para a área da Justiça. Fomos à procura das que poderão responder aos anseios do GREVIO (Grupo de peritos para o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica, do Conselho da Europa), que a 27 de maio tinha publicado o seu primeiro relatório temático sobre Portugal no âmbito da aplicação da Convenção de Istambul.
Cruzando as recomendações do GREVIO para Portugal com o Programa para a Justiça, temos, desde logo, a meta do Governo de “estabelecer programas de formação contínua para magistrados e demais agentes, nomeadamente, focados (…) em matérias como a de violência doméstica”. Falta, naturalmente, concretizar os moldes da formação, mas, tal como o GREVIO, consideramos que deverá ser frequente e obrigatória. A formação específica é essencial.
O Programa aborda também a celeridade processual, contudo sem mencionar a violência doméstica. Ora, um dos atuais problemas de morosidade na Justiça prende-se, precisamente, com a excessiva demora da fase de inquérito neste tipo de criminalidade. Os atrasos nestes processos potenciam a revitimização e colidem com os princípios da Convenção de Istambul e da Diretiva (UE) 2024/1385, relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, pelo que se exigia uma meta nesta área e espera-se uma atuação imediata.
A meio do Programa encontramos, finalmente, um capítulo destinado à “promoção dos direitos das vítimas de crime”, destacando no primeiro ponto a “participação ativa na intervenção integrada do Estado no combate à violência doméstica”, o que, mesmo sendo vago, indicia uma boa intenção.
E continua com a meta de “desenvolver soluções inovadoras e boas práticas em matéria de apoio às vítimas de crime, designadamente através de projetos nacionais ou internacionais, com colaboração de entidades nacionais e europeias de apoio às vítimas de crime” e ainda com a “criação de centros de crise para vítimas de violência sexual, com o objetivo de garantir uma resposta imediata, especializada, multidisciplinar e confidencial a pessoas, jovens e crianças em situação de agressão sexual”. Porém, estes centros de crise deverão poder acolher vítimas de violência doméstica, ou deverão ser criados centros próprios para estas vítimas, devido ao grave e profundo impacto, a vários níveis, deste crime. Para quando a implementação do modelo Barnahus?
Sabemos que o documento em causa é um programa de intenções, que poderá ser, ou não, concretizado. Mas, mesmo com ideias vagas ou genéricas, cremos que, apesar de positivas, se exigia mais em matéria de proteção das vítimas, cujo regime precisa desesperadamente de ser revisto.
Esperemos agora pela sua aplicação, otimistas de que venham a adotar medidas efetivas em matéria de combate e prevenção contra este flagelo, que já tardam. Portugal tem um gravíssimo problema de violência doméstica e o sistema apresenta enormes entraves para o resolver. Urge ser dotado de meios para que se possa, efetivamente, atuar em conformidade.