Imigração. AIMA notifica 5 dezenas de imigrantes a trabalhar nos Anjos para sair do país

Estado com Arte Magazine

A Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e o Governo recusaram o pedido de autorização de residência por “razões humanitárias” de mais de cinco dezenas de imigrantes que, numa situação de indignidade, pernoitaram, por largos meses, nas imediações da Igreja dos Anjos, em Lisboa.

“Ao mesmo tempo, a AIMA notificou-os para abandonarem voluntariamente o país num prazo de 20 dias, ameaçando com a eventual detenção e instauração de procedimento de afastamento coercivo findo esse mesmo prazo,” diz Mariana Carneiro, dirigente da SOS Racismo, em comunicado a que o Estado com Arte Magazine teve acesso.

Foi lançada uma campanha de angariação de fundos através da Cozinha Migrante dos Anjos para recorrer desta decisão. As despesas diretamente associadas aos processos de impugnação judicial são de 306 euros por pessoa. “Em cerca de um terço dos casos, a única via de resposta será mesmo a impugnação judicial. Os prazos são muito apertados, para a semana temos de avançar com os processos,” admite Mariana Carneiro.

Os imigrantes vieram do Senegal, da Gâmbia, da Mauritânia. “Atravessaram o Atlântico numa piroga e arriscaram a vida. No caminho rumo à Europa, viram morrer amigos e irmãos. Fugiram da miséria e da falta de oportunidades à procura de um futuro melhor, de um futuro digno. Alguns foram vítimas de perseguição e violência nos seus países de origem.”

Depois de uma breve passagem por Espanha, e chegadas, no início de 2024, ao seu destino de sonho – Portugal – estas pessoas procuraram, de imediato, a AIMA, por forma a regularizarem a sua situação documental, assegura a defensora de direitos humanos. Considera que os seus pedidos de proteção internacional foram analisados em tempo recorde e de forma “atabalhoada”, a resposta “foi indistinta e sem consideração pela situação individual de cada um: a agência decidiu indeferir os pedidos, atirar estas pessoas para a rua sem alternativas e sem qualquer apoio.”

Apenas contam com o apoio de coletivos e ativistas que conseguiram encetar um novo processo de regularização, por via da alínea b) do artigo 123º da “Lei da Imigração”, que prevê a concessão de autorizações de residência com caráter excecional por razões humanitárias. Foi também o apoio da sociedade civil que “permitiu mitigar um pouco os efeitos da desumanidade a que foram votados,” diz a nota de comunicação.

Durante quase dez meses, em que se sucederam várias promessas por parte do executivo camarário e do Governo, no sentido de assegurarem uma resposta de emergência, estes imigrantes têm dormido na rua, bem no centro da capital, em condições de “manifesta insalubridade, sem acesso a uma alimentação minimamente equilibrada, sem o devido acompanhamento de saúde, sem um ponto de água potável disponível, sem qualquer privacidade, sem qualquer proteção, sem qualquer segurança. Numa situação de flagrante violação dos mais elementares direitos humanos, da dignidade humana,” sublinha Mariana Carneiro.

Apesar da extrema fragilidade e precariedade em que se encontravam, estes imigrantes encetaram todos os esforços para se integrarem na sociedade: no âmbito do projeto comunitário Cozinha Migrante dos Anjos, auto-organizaram-se para confecionar e servir mais de 100 refeições diárias a todos aqueles que pernoitavam nos arredores da Igreja dos Anjos; face às tentativas frustradas de ingressarem em programas de Português Língua de Acolhimento, devido à escassez óbvia de vagas, frequentaram aulas informais de português; participaram, nomeadamente, em jogos de futebol nas instalações de uma Associação Desportiva Recreativa local; organizaram ações de limpeza; promoveram ações de informação e sensibilização sobre a sua situação; participaram em inúmeras iniciativas culturais.

Tentaram ingressar no mercado de trabalho: solicitaram o NIF e NISS, inscreveram-se no IEFP; inscreveram-se em empresas de trabalho temporário e de prestação de serviços agrícolas; procuraram ativamente trabalho por todos os meios possíveis.

A grande maioria abandonou, pelos seus próprios meios, Lisboa, e rumou a outras paragens, de Norte a Sul do país. Poucos foram os que se mantiveram na capital, e que acabaram por ser transferidos, já em outubro de 2024, e num primeiro momento, para estabelecimentos hoteleiros, sem as condições desejadas e sem o tão o falado “apoio multidisciplinar.”

“Ao dificultarem a sua regularização, as autoridades portuguesas condenaram estes imigrantes a uma situação de indignidade, e deixaram-nos permeáveis a todo o tipo de abusos. Estas pessoas sujeitaram-se a trabalho sem contrato e/ou sem direitos. Houve quem caísse em verdadeiras redes de tráfico humano,” explica a dirigente.

Entretanto, alguns imigrantes conseguiram firmar um contrato de trabalho. “O salário é mais que parco. Ainda assim, congratulam-se com o facto de poderem pagar impostos em Portugal. É aqui que querem viver, é aqui que querem trabalhar. Precisam de ajudar as suas famílias, mas querem também ajudar a construir este país.”

O caso dos imigrantes da Igreja dos Anjos “é ilustrativo a vários níveis”

Segundo a responsável do SOS racismo este caso dos imigrantes dos Anjos revela por um lado “no que respeita aos sistemáticos atropelos aos direitos humanos; à desresponsabilização e ao “passa culpas” por parte das autoridades competentes; à desumanização das políticas e dos procedimentos na área da imigração. Por outro lado revela  a resiliência, a coragem, ao esforço destes imigrantes. Ao seu exemplo de entre-ajuda, de solidariedade, de determinação.”

Mais de um ano depois, e depois de incumpridos os prazos legais para resposta aos seus pedidos de autorização de residência, a AIMA e o Governo “decidiram emitir, dezenas de respostas padronizadas, sem analisar e responder aos fundamentos humanitários apresentados. Respostas estas cujo conteúdo é, em grande extensão, um verdadeiro copy paste, exibindo, inclusive, incorreções factuais. E a agência de imigração decidiu também emitir notificações de abandono voluntário do país para todos sem, inclusive, sequer ter em conta se os imigrantes estão inseridos no mercado de trabalho, pagando os respetivos impostos, e na sociedade e/ou se, entretanto, têm outro processo de regularização em curso,” justifica.

Desde a sua chegada a Portugal destes imigrantes o país assistiu a mudança de Governo, ao endurecimento das políticas de imigração, nomeadamente com a extinção das Manifestações de Interesse, o que no entender de Mariana Carneiro “deixou a porta escancarada à exploração, à clandestinidade, à invisibilidade, ao abuso generalizado, à destruição de direitos, às vidas suspensas. A criminalização, a perseguição, numa verdadeira caça ao imigrante, intensificou-se,” acredita a ativista.

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Nuno Lumbrales,
Advogado

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