As eleições alemãs do passado fim de semana afastaram da cena política uma aliança entre os Verdes e os Social-Democratas, inicialmente desejosa de se concentrar nas prioridades internas e climáticas, mas que acabou inevitavelmente enredada nos meandros de um conflito para o qual não se encontrava minimamente preparada. A diplomacia débil, pontuada por avanços e recuos, conduziu Olaf Scholz e os Social-Democratas do SPD a uma derrota dolorosa.
Friedrich Merz, o novo chanceler da Alemanha, tem pela frente desafios inéditos. A indústria alemã debate-se com preços da energia preocupantes. O aliado americano exige um investimento crescente na defesa. A frente ucraniana reclama mais apoio financeiro e militar. E, provavelmente, a tática europeia, habilmente concebida por Winston Churchill, de resolver os problemas da Europa — sobretudo quando esta se envolve em conflitos bélicos — envolvendo o “Tio Sam” nos mesmos, está esgotada e irremediavelmente inacessível, pelo menos nos próximos quatro anos.
Além disso, a Europa sofre com uma liderança “multicéfala”, marcada por proclamações tonitruantes de estadistas e burocratas que, embora possam ser bem-intencionadas, nem sempre refletem o verdadeiro nível de recursos e capacidades que deveriam sustentá-las.
Tudo isto começa a deixar transparecer algum desnorte face a um vizinho incontornável, desejoso de afirmar o seu poder militar. A transformação de uma união económica e social numa aliança militar, com cada vez mais adeptos, sem um substrato militar-industrial poderoso e apto para enfrentar os desafios de um campo de batalha moderno, tecnologicamente avançado e com militares experientes, pode alterar a natureza da União Europeia. Esta passaria a ser encarada como uma aliança militar, motivando a correspondente reconfiguração dos adversários. E isso terá consequências que ainda ninguém se deu ao trabalho de debater ou avaliar.
Para evitar o isolamento crescente do projeto europeu, Friedrich Merz precisaria de um parceiro de coligação que lhe permitisse afirmar a liderança alemã sem os atavismos irrealistas da esquerda europeia, que estão a conduzir a Europa a um beco sem saída. O mais provável é que não encontre ânimo nem espaço político no seu partido para o fazer, o que deixará a Alemanha numa situação análoga à portuguesa, mas com consequências bem piores para os europeus.
Consta que, quando perguntaram a Otto von Bismarck qual seria, a seu ver, o segredo da política europeia, o chanceler não hesitou: “Assinar um bom tratado com a Rússia.” A sua política externa, hoje conhecida como Realpolitik, preconizava uma ação diplomática vigorosa para garantir a estabilidade na Europa e evitar conflitos desnecessários.
E a história do século passado mostra que, sempre que a Alemanha ignorou o seu diplomata visionário, acabou envolvida em conflitos que quase a aniquilaram e trouxeram enorme sofrimento ao continente europeu. Curiosamente, o que vemos hoje é uma Alemanha alheada das lições da história e um presidente americano a trilhar os caminhos crus e incómodos da Realpolitik.
Assim, enquanto Washington avança na esteira de Bismarck, a Europa ensaia o afastamento do seu aliado histórico, enredando-se numa encruzilhada que dificilmente a conduzirá ao reforço da sua relevância internacional.
Sem uma liderança clara, o continente arrisca-se a ser mero espectador das forças que moldam o século XXI, cometendo erros que Bismarck tão habilmente evitou no seu tempo. Esperemos que tal não aconteça e que o projeto europeu acabe por reencontrar o caminho da diplomacia e do diálogo realista com os restantes atores internacionais.