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Vamos a Factos

Nuno Lumbrales, Advogado

A ideia de raças superiores e inferiores é nefasta e errada, e deve ser combatida, mas também não foi invenção portuguesa. Todos os impérios e grandes potências, antes, durante e depois do império português, e mesmo até aos nos nossos dias, alimentam sempre a crença da sua superioridade, e consequentemente a da inferioridade dos povos que consideram menos desenvolvidos.

Como foi recentemente notificado na comunicação social, o Bloco de Esquerda anunciou a criação de uma estrutura permanente anti-racismo, por entender, entre outras coisas, que:

– Portugal tem uma responsabilidade histórica na criação do racismo actual;

– Portugal foi um grande agente mundial da escravatura, tendo criado o tráfico e também as estruturas sociais justificativas da escravatura e do colonialismo, nomeadamente a ideia de raças superiores e inferiores;

– No passado recente e no presente de Portugal, existe um estado de negação do racismo e do papel de Portugal nele.

Vamos a factos:

O racismo existe em todas as sociedades, não só na Portuguesa, e não só nas sociedades ocidentais, ou de maioria branca. Existe em todas estas sociedades, pode e deve ser combatido, mas provavelmente nunca será totalmente erradicado porque tem raízes no nosso instinto de defesa e auto-preservação, que nos leva a desconfiar e temer aquele que é diferente. É por isso um problema universal, existindo em todas as sociedades e etnias.

A escravatura é algo de abominável, mas não foi inventada pelos Portugueses. Existe desde a antiguidade, e foi praticada pelos mais variados povos e impérios, em todos os continentes. É preexistente, em milénios, sequer à fundação de Portugal. O mesmo sucede, por identidade de razão, com as estruturas sociais que subjacentes e/ou resultantes da escravatura.

O tráfico de escravos praticado por Portugal teve uma grande escala e duração, mas mesmo nesses parâmetros Portugal não foi inovador, pois os impérios que historicamente o antecederam também transportaram escravos em quantidade e em distância. Mais uma vez, ao longo dos séculos e nos vários continentes.

É no entanto, obviamente, verdade que por força da evolução tecnológica e da consequente capacidade de transportar de forma rápida (para a época) escravos entre África e a América do Sul, o comércio transatlântico de escravos levado a cabo por Portugal afectou significativa e negativamente vários povos africanos. Estes povos já praticavam habitualmente a escravatura, mas a crescente procura de escravos pelos portugueses, e por outros europeus, aumentou a intensidade do fenómeno, originando guerras entre vários povos africanos em que os beligerantes tinham como objectivo principal a captura de escravos para vender aos europeus. Iniciou-se assim um processo de exportação de escravos, sobretudo para a América do Sul.

A ideia de raças superiores e inferiores é nefasta e errada, e deve ser combatida, mas também não foi invenção portuguesa. Todos os impérios e grandes potências, antes, durante e depois do império português, e mesmo até aos nos nossos dias, alimentam sempre a crença da sua superioridade, e consequentemente a da inferioridade dos povos que consideram menos desenvolvidos.

Como todas as pessoas da minha geração, frequentei o ensino secundário durante os anos oitenta e inícios dos anos noventa. Não nos foi escondida a existência da escravatura, a participação de Portugal na mesma, a violência nela envolvida, nem o sofrimento dos muitos que a ela foram submetidos. Por isso nos foi ensinado que a escravatura é algo de abominável, de proscrito, a combater para que nunca se repita.

Portugal está, e sempre esteve, perfeitamente ciente do seu passado e da sua história, bem como das virtudes e defeitos do seu trajecto. Por isso mesmo foi pioneiro na abolição da escravatura, processo que iniciou em 1570 (com a proibição de escravização e tráfico dos indígenas brasileiros), e teve como principais marcos os anos de 1761 (com a proibição de importação de escravos para o território metropolitano), 1773 (com a extinção gradual do estado de escravidão em Portugal continental), 1836 (com a proibição de exportação de escravos em todos os domínios portugueses), e 1869 (com a abolição da escravidão em todas as colónias portuguesas).1

Esta evolução levou séculos, e enfrentou duras resistências sociais e políticas, mas esse espaço de tempo não é tão longo para a tarefa, se tivermos presente que a escravatura era algo instituído praticamente desde a origem da humanidade.

Todas as civilizações praticaram – e alguns povos ainda o fazem – a escravatura ao longo da história, mas só a civilização ocidental a proibiu e aboliu, por a considerar incompatível com a dignidade da pessoa humana, entendida à luz dos ensinamentos do Cristianismo. E Portugal foi pioneiro nessa abolição.

O Bloco de Esquerda pretenderá porventura usar a bandeira do combate ao racismo como a sua próxima «causa fraturante», esperando com isso criar mais uma vez polémica e conflito na sociedade portuguesa, sem os quais um partido com as suas características perde força, e a própria razão de ser. Mas é só fumaça, e o povo é sereno.

1 Fonte: https://www.parlamento.pt/Parlamento/Paginas/Memoria-extincao-escravidao.aspx

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