Noémia já rondava os 40 anos, tivera sempre uma vida difícil e fora criada na pobreza, entregue apenas aos cuidados de uma querida avó transmontana, lá longe numa aldeia junto à fronteira com Espanha.
Cedo viera servir para Lisboa, mal acabara o segundo ciclo. Era linda, linda, e depressa atraíra olhares de admiração e cobiça. Aos 18 anos já tinha um filho nos braços, apesar dos conselhos da avó chorosa à hora de a neta deixar a casa rumo a Lisboa, entregue a uma família abastada dali da zona. E fizera-lhe muitas recomendações: ‘ …ó filha, tu porta-te bem! Tem cuidado com a malandragem que anda à solta…Olha que Deus tudo vê e nos fala por sinais… Toma atenção e que Ele te guarde!’
A avó porém, nunca chegara a saber daquele filho, por ter morrido pouco tempo depois, lá longe na aldeia. Com as muitas dificuldades e o passar do tempo, a vida da jovem mãe depressa se tornara uma loucura: sucediam- se os empregos, os namorados e …os abortos. Aos 30 anos, ainda linda, mas sozinha, Noémia prostituía- se, na ânsia de sustentar o filho e garantir-lhe o futuro radioso que ela não tivera. Queria que ele estudasse e tirasse um curso!
Um dia, aceitou casar com um dos homens que a procurava e parecia que tudo daria certo. Ele era mais velho do que ela, já tinha 50 anos, e era empreiteiro de construção civil; ofereceu- lhe uma linda casa para viverem, gostava muito dela e era bom padrasto. Ela também gostava dele e da segurança que ele lhe prometia a ela e ao filho. Voltara a ter um trabalho simples, mas digno.
Tiveram duas filhas gémeas, mas nascidas antes de tempo, tinham sofrido paralisia cerebral. E Noémia teve de ficar em casa a cuidar delas. Fazia-o com sacrifício, mas muito carinho, e o marido ajudava-a ao máximo. Noémia fazia ainda alguns cozinhados para fora, mas pouco mais, e o marido queria poupar-lhe trabalhos. Inesperadamente porém, o marido morreu aos 55 anos, num acidente de trabalho, e Noémia ficou ‘sem chão’… nem a casa estava paga, por causa do avultado empréstimo do banco…como havia de sustentar aquela família sem ajudas?
E voltou de noite, à prostituição, dizendo ao filho que fazia limpezas numa empresa, pois não queria, por nada deste mundo, que ele soubesse! Saía de casa ao fim da tarde, metia-se no comboio até à estação de Entre- Campos, aí saía, pintava-se e trocava de roupa num vão de escada, e depois percorria as avenidas novas, ou o parque Eduardo VII, e regressava a casa com várias dezenas de euros, ao romper do dia.
Numa noite de temporal e poucos clientes, encharcada até aos ossos, estava Noémia abrigada na entrada de um prédio, quando foi abordada por duas senhoras que pararam o carro para lhe falar.
Falaram-lhe com simpatia, identificaram- se como leigas missionárias cujo objetivo era apoiar mulheres em dificuldade. Perguntaram-lhe se não queria beber um café quente, comer um bolo, e abrigar-se ali no carro, e ela, tremendo de frio, aceitou de bom grado. As duas senhoras abriram então um termos, encheram-lhe de café um copo de plástico, e ofereceram- lhe uma caixa de lata cheia de ‘areias’ …foi um regalo para os olhos e para o estômago vazio de Noémia.
Durante mais de uma hora as três conversaram ali no carro, depois levaram- na ao comboio e deixaram-lhe um número de telefone. Disseram-lhe num tom muito natural que poderiam arranjar-lhe um outro tipo de trabalho, se ela quisesse, ajuda-la-iam a encontrar apoios para os filhos e… convidaram-na a participar numa catequese semanal à noite na casa onde viviam e onde havia uma capela…
Durante várias semanas, Noémia não as contactou, mas recebeu duas ou três breves mensagens delas no telemóvel, dizendo- lhe apenas que esperavam por ela…Noémia não respondeu, nem voltou a encontrá-las nas ruas por onde continuava a andar todas as noites, mas pensava muitas vezes nas duas senhoras e no que lhe tinham contado sobre o modo como outras colegas de prostituição tinham mudado de vida e eram agora mulheres mais felizes…
Certa madrugada, no regresso a casa, ao aproximar- se da estação de comboios, viu, encostada a uma árvore, uma moldura já com vidro partido com uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Lembrou- se que havia uma imagem igual em casa da avó, comoveu- se e sentiu pena… não podia deixar aquele Cristo ali abandonado na rua e pegando nele, um tanto envergonhada, resolveu levá-lo para sua casa. No comboio, várias pessoas a olhavam, enquanto ela não tirava os olhos da imagem! Por baixo, em letras quase apagadas estava uma legenda escrita à mão que dizia:
‘Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao Vosso’.
E logo a seguir, para sua surpresa, uma data: 13 junho 1986. Precisamente o dia em que ela nascera…
Ao chegar a casa, Noémia limpou a moldura, cuidadosamente, e mesmo com o vidro partido, pendurou o quadro na sala. E contou aos filhos que também rezava assim em casa da avó velhinha…e começaram a repetir aquela oração com frequência.
Pouco a pouco, Noémia ia ficando cada vez mais consciente de que era urgente mudar de vida.
Entretanto, aproximava- se o dia dos seus anos. O filho queria preparar-lhe uma surpresa e pediu-lhe para a mãe não ir ‘trabalhar’ nessa noite. Noémia hesitou, respondendo que a sua data de anos não merecia ser comemorada. O filho insistiu e pediu-lhe até o contacto da empresa de limpezas para telefonar e pedir uma dispensa do trabalho. Horrorizada e com receio de que o filho descobrisse o que fazia, logo respondeu que não se preocupasse e que então não iria ‘trabalhar’ nessa noite.
Na manhã do dia dos seus anos, bem cedo, o filho levou- lhe um tabuleiro com o pequeno- almoço à cama, uma rosa e um cartão lindíssimo em que lhe dizia:’ Mãe, tu és a melhor Mãe do mundo e o meu orgulho! Tenho uma surpresa para ti: acabei o curso e a partir de hoje, não precisas trabalhar mais, todas as noites, porque eu acabo de arranjar um grande emprego e serei eu a trabalhar para te sustentar e às minhas irmãs!’
Noémia abraçou o filho, chorando, mas mal ele sabia que aquelas lágrimas eram sobretudo de vergonha…
Nesse dia, telefonou para as senhoras que lhe tinham enviado mensagens, contou- lhes o que lhe acontecera nos últimos tempos e pediu- lhes ajuda para mudar de vida.
Nessa noite, olhando para a moldura do seu Cristo, de mão dada com os filhos, Noémia compreendeu os sinais de que a avó lhe falara…