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Manuel Fúria: “Para o crente, ouvir só é possível se tirarmos Deus da prateleira dos livros de ajuda pessoal e tornarmos Deus a própria livraria”

Ricardo Formigo

O MLX acontecerá nos próximos dias 23 e 24 de novembro na Cantina Velha da Universidade de Lisboa, com exposições, concertos e conferências, juntamente com muitos espaços que geram ocasiões de encontro e de convívio. Este e outros temas ligados à solidão serão aprofundados no Meeting Lisboa deste ano.

Na passada quarta-feira, dia 30 de outubro, o programa da edição deste ano do Meeting Lisboa (MLX) foi apresentado na União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA). O tema deste ano é “Que quer dizer esta solidão imensa? E eu, o que sou?”, os versos finais do poema “Canto a um Pastor Errante da Ásia”, do poeta italiano do século XIX Giacomo Leopardi, declamados por Bruno Couto nesta sessão.

O tema do MLX deste ano é a solidão e foi isso que esteve na base da conversa do músico Manuel Fúria com Aura Miguel, jornalista da Rádio Renascença e Presidente da Associação Cultural Meeting Lisboa. Para esta, “o impacto com a realidade desencadeia muitas perguntas”, uma delas “hoje em dia formular estas perguntas é mais difícil do que no tempo de Leopardi?”

A questão da solidão, para Manuel Fúria, é um “problema do homem desde a queda de Adão” e falhamos em produzir respostas adequadas. Perguntas como esta nascem da contemplação da natureza, que é um tema romântico por excelência, mas as respostas não as podemos encontrar aí, porque o ambiente pós-modernista que vivemos diz-nos que estas não existem.

Programa do Meeting Lisboa2024 nos dias 23 e 24 de novembro

Vivemos “num mundo líquido” de aparência e linguagem enganosa, como afirma a nova encíclica do Papa Francisco sobre o amor humano e divino do coração de Jesus, Dilexit nos, onde se perdeu a conceção de infinito.
Como está escrito no manifesto de apresentação do Meeting Lisboa’24, este é um tempo em que “não faltam ajudas à vida”. Neste mundo, tudo deveria ser melhor, mas estamos rodeados de depressões, de burnout’s e o homem sente-se sempre mais sozinho.

Aura Miguel pergunta-se “se deixámos de saber comunicar com os outros?” Manuel Fúria respondeu que “ouvimos pouco, e o pouco que ouvimos, ouvimos mal”. A realidade vai ficando cada vez mais esmagada pela ditadura da opinião, onde não comunicamos com os outros nem connosco, porque não damos espaço para ouvir o que dentro de nós vai batendo.
Como disse uma vez Don Giussani aos jovens numa conversa sobre a solidão: “Mesmo rodeado de amigos, sentimo-nos sozinhos”. “O que é que falta ainda?”, perguntou Aura Miguel, ao qual Manuel Fúria respondeu que “falta ser capazes de ouvir aquilo que nos perturba no silêncio e este silêncio que dá espaço aos dramas é tantas vezes esmagado pelos dispositivos que funcionam como caixas de ressonância das nossas próprias mundivisões e opiniões. Para o crente, ouvir só é possível se tirarmos Deus da prateleira dos livros de ajuda pessoal e tornarmos Deus a própria livraria.”

Segundo Giussani, há uma solidão má, que esmaga, e uma solidão boa, habitada, na qual percebemos que sozinhos não somos capazes, e que abre portas para um conhecimento mais profundo daquilo que a pessoa é.
Recuperar esta disposição de escuta, de alerta e de despojamento torna-se então necessário e lidar com a solidão é uma tarefa dos nossos dias. A solidão pode ser a de uma casa de espelhos ou a de um deserto, onde só vemos a imensidão e não nos vemos a nós próprios. Tal como Job, temos de ir à luta com Deus.

O MLX acontecerá nos próximos dias 23 e 24 de novembro na Cantina Velha da Universidade de Lisboa, com exposições, concertos e conferências, juntamente com muitos espaços que geram ocasiões de encontro e de convívio. Este e outros temas ligados à solidão serão aprofundados no Meeting Lisboa deste ano.

Ricardo Formigo, Professor de Português

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