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Helena Canhão: “Se o médico do futuro não fizer ponte com o doente pode ser substituído por máquinas”

Marta Roque

A eficiência da I.A.  para a medicina, a interação com o doente, a forma como os médicos digerem a informação, e sobretudo a humanização com o paciente, são questões essenciais a ter em atenção com o desenvolvimento da tecnologia.

Quais as consequências antropológicas da IA na vida e no trabalho? Surgirá uma nova hierarquização de valores? A I.A. em debate no Meetinglisboa24 domingo passado na Universidade de Lisboa.

“Em todas as áreas já temos um impacto grande, ainda que se antecipe que esta revolução nos próximos anos vai modificar a vida exponencialmente,” diz Helena Canhão, Professora Catedrática de Medicina, e Diretora da NOVA Medical School, em debate no Meetinglisboa24, no domingo passado na Cantina Velha da Universidade de Lisboa.

Que mudança no mundo laboral está a causar a I.A. e quais as consequências antropológicas e sociais dessas mudanças?, foi a questão subjacente ao encontro. A Catedrática de Medicina explica que a I.A. já é utilizada na anatomia patológica. “Ajuda a identificar padrões, de forma sistemática a verificar se um tumor tem características malignas ou benignas, dá apoio ao diagnóstico, e na decisão terapêutica, os algoritmos ajudam na decisão.”
Considera que há um trabalho a ser feito que vai trazer evoluções,  a I.A. “tem imensas oportunidades e desafios enormes”. Destaca que o mais importante na medicina é o bem estar do doente. Há uma evolução tecnológica permanente”, mas a grande questão para a médica é “saber se a utilização da I.A. é eficaz e segura para o doente”.
Admite que hoje “não podemos ficar 10 anos à espera para incorporar novas tecnologias. Estamos a aprender a fazer a regulação.”

Relação médico doente: cuidar a humanização

“A I.A. será muito útil para os médicos, mas estes aspetos da interação com o doente, e a forma como digerem a informação, e sobretudo a humanização com o paciente, são questões que o médico tem de cuidar”,  essenciais para a humanização da medicina, na visão da médica.
Ao nível do pensamento, e do eu, da autonomia, já existem projetos que desenvolvem soluções. Helena Canhão dá o exemplo de um doente que via mal e que desenvolveu uma plataforma para pedir ajuda. As plataformas podem ser uma forma de chegar a cuidados de saúde, o doente tinha milhões de voluntários e utilizadores.
Com o CHATGTP fez um protocolo com instituições para fazer perguntas sobre tudo que está à sua volta, conseguiu o desenvolvimento da interação de uma pessoa que não vê e que ganhou autonomia. “Em termos de repercussões na vida das pessoas isto já está a acontecer,” conta a Diretora da NOVA Medical School.

Por outro lado, descobriu um “substituto de outra pessoa o que torna a pessoa mais só, pode interagir com a máquina. Como é que passamos para um mundo Twilight zone?”. A resposta, diz, está na importância da humanização, a grande preocupação dos novos desafios da I.A.

O médico tem como missão “saber fazer as perguntas certas e observar o doente. O médico do futuro tem que saber  fazer a interação com a vida que o doente tem. As necessidades das pessoas são completamente diferentes. Cada um tem a sua situação de vida, tem de haver esta relação humana, de crenças e barreiras. Se o médico do futuro não fizer ponte com o doente pode ser substituído por máquinas,” conclui Helena Canhão.

IA: é preciso estudar uma “compreensão mais fina do que só os seres humanos podem fazer”

Pedro Abreu, moderador do painel sobre as questões antropológicas subjacentes à evolução da I.A.

Se a revolução industrial foi uma conquista da humanidade, com a máquina a vapor a multiplicar a força e velocidade do ser humano, a I.A. agora permite à máquina tornar “certas inteligências dos seres humanos mais eficientes” para Pedro Abreu, Professor de Arquitetura na Universidade de Arquitetura de Lisboa, as tecnologias têm a capacidade de mudar drasticamente a vida e os valores humanos. “Não é que a máquina domine o humano, há incertezas sobre se a IA  cumprirá as suas promessas, mas certas tarefas do homem serão feitas pelas máquinas e muitos perderão o emprego. Muitas adaptações do próprio ser humano vão ser necessárias”.
Surgirá uma “nova hierarquização de valores. Quais valores?”, questiona o docente.
Antecipar algumas destas transformações poderá evitar traumas e  é expectável que outros aspetos educativos surjam.

Segundo Pedro Abreu será necessária uma “compreensão mais fina do que só os seres humanos podem fazer, aprimoramento de áreas da vida e do trabalho.”
O Professor de Teoria da Arquitetura da Universidade de Arquitetura de Lisboa acredita que a profissão de arquiteto tende para a extinção, ou para uma transformação em que a arquitetura passará a ser entendida como forma de pensar ambientes como os Jerónimos e a Gulbenkian, “sítios onde nos encontrar mais connosco próprio, podemos ser mais humanos. No fundo, a função da Arquitetura consiste em criar ambientes que facilitam sermos mais especificamente humanos,” explica.

Participaram neste debate ainda especialistas em Ciências da Saúde, da Indústria, Economia e Ciências da Educação. Um evento promovido pelo movimento católico Comunhão e Libertação.

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