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Prosperidade adiada, mas merecida

Lina Lopes, ex-Deputada da Nação

Adiamos a prosperidade sine die, sem refletir sobre os porquês deste constante adiamento. Temos de começar a encarar o problema de frente. Persistir em evitá-lo não abona a favor do nosso futuro e destino coletivos.

Próspero Ano Novo” é algo que gostaria de poder desejar a todos os portugueses sem recear que alguns considerem o desejo uma completa fantasia ou, pior, talvez um insulto. Seria reconfortante poder formular este desejo com a convicção de que, apesar das dificuldades, o país oferece condições e contexto propício para qualquer pessoa alcançar a prosperidade. Infelizmente, todos sabemos que não é assim.

Em Portugal a praia é ótima, o clima é espetacular, a comida é deliciosa e as pessoas são simpáticas. Sem dúvida. Mas nós não somos turistas, e tudo isto não nos livra de estar entre os mais pobres da Europa. Por falta de visão, acantonámos a economia numa dependência crónica do turismo e num endividamento cruel que mina o futuro das gerações mais jovens.

Todos temos acesso à saúde. É verdade. Mas a sua gestão pública é de tal forma ineficiente que só quem não pode é que não recorre aos serviços privados.

Os portugueses desfrutam da liberdade e da democracia. Sem dúvida. Mas os salários são indignos, as rendas e a aquisição de casa são proibitivas, as reformas são minúsculas e a justiça é ineficaz e incompreensível. E estes fatores, associados ao empobrecimento e à desigualdade de oportunidades, enfraquecem a crença nos benefícios duma sociedade livre e democrática.

Desejar “Próspero Ano Novo” tornou-se assim um automatismo que dispensa reflexões incómodas sobre a possibilidade de o concretizar. No fundo, deixa de ser um desejo para se tornar num inconsequente “até já, vemo-nos daqui as uns dias”. Adiamos a prosperidade sine die, sem refletir sobre os porquês deste constante adiamento. Temos de começar a encarar o problema de frente. Persistir em evitá-lo não abona a favor do nosso futuro e destino coletivos.

Na União Europeia, estamos entre os países que apresentam o mais baixo nível de rendimento e, simultaneamente, a taxa de risco de pobreza mais elevada. Nos últimos dez anos, o risco de pobreza da população portuguesa manteve-se em torno dos 17%.

É evidente que as condições adversas não afetam todo o país de forma homogénea. As assimetrias regionais são impressionantes. Se o PIB per capita de Portugal, em 2023, expresso em paridade do poder de compra, alcançou 80,5% da média da União Europeia, o da Península de Setúbal, por exemplo, não chegou sequer a 55% do PIB médio per capita da União Europeia. E, comparando estas duas regiões, verifica-se que a disparidade do PIB per capita entre elas é brutal. Apesar de a Península de Setúbal ser a quarta região mais populosa do país, o PIB per capita desta região não chega a 27% do da Grande Lisboa, que se encontra acima da média europeia. É apenas um exemplo, mas elucidativo.

E de quem é a responsabilidade por o país estar como está? Obviamente, todos somos responsáveis. Mas os mais responsáveis são aqueles que governam o país, pois são eles que ocupam as posições onde se tomam decisões capazes de fazer a diferença e colocar o país no rumo da prosperidade. Infelizmente, nos últimos anos, não se têm registado grandes êxitos neste domínio.

Por isso, não hesito em desejar um Próspero Ano Novo, mas acrescento o desejo de que o novo ano nos revele responsáveis políticos capazes de ultrapassar os erros do passado e firmemente empenhados em conduzir o país à merecida prosperidade.

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