MAGAZINE

Porque sempre gostei de “Constantinopla”

Susana Mexia

O livro de Stefan Zweig “MOMENTOS DECISIVOS DA HUMANIDADE” da editora Relógio de Água ( 2017) reúne alguns momentos decisivos da humanidade. São aqueles em que, nas palavras do próprio Zweig, «o drama reveste formas inauditas, imensas».

Recorrendo a documentos históricos e preenchendo as lacunas com a imaginação, Zweig fala-nos do «Minuto Mundial de Waterloo», a 18 de junho de 1815, da «Elegia de Marienbad», que recorda Goethe a 5 de setembro de 1823, da luta do capitão Scott pela chegada ao Polo Sul, da «Conquista de Bizâncio», da Ressurreição de Händel, sobre «A Primeira Palavra Que Atravessou o Oceano» e o que se passou em torno da perseguição e morte de Cícero.

A CRUZ É DERRUBADA

Porque sempre gostei de Constantinopla, da sua história, da sua beleza e sabedoria ao longo dos dez séculos que lhe foi dado viver, elegi esta passagem do livro de Stefan Zweig, MOMENTOS DECISIVOS DA HUMANIDADE:

«Por vezes, a História brinca com números. Precisamente mil anos depois da atroz pilhagem de Roma, pelos vândalos, começa o saque de Bizâncio. Maomé, o vencedor, cumpre o seu tremendo juramento. Depois da primeira matança abandona aos soldados casas e palácios, igrejas e claustros, homens, mulheres e crianças; como demónios vomitados do inferno, voam milhares de energúmenos pelas ruas, na ânsia de cada um chegar antes dos outros.

É contra as igrejas o primeiro assalto, contra as igrejas repletas de vasos de ouro e pedrarias refulgentes. Quando penetram numa casa, logo içam a bandeira, como prevenção aos que vierem depois de que a presa está tomada; não se trata somente de joias, estofos, dinheiro, preciosidades transportáveis; também as mulheres serão vendidas nos serralhos; homens e crianças irão para os mercados de escravos. Às chicotadas, perseguem para fora das igrejas os bandos de desgraçados que ali tinham buscado refúgio; degolam os velhos, bocas inúteis, tropeços sem valia; os novos encandeiam-nos uns aos outros como se faz ao gado; simultaneamente com o roubo campeia a mais estúpida fúria de destruição.

O que em seus saques os cruzados haviam poupado, as preciosas relíquias e obras de arte, tudo é destruído, despedaçado, posto em estilhas pelos desvairados vencedores; destroem os mais preciosos quadros às marteladas, encarniçam-se contra as mais maravilhosas estátuas, queimam ou atiram fora os livros em que a sabedoria dos séculos, a imortal riqueza do pensamento e da poesia grega, devia conservar-se pela eternidade fora. Nunca a humanidade poderá medir em toda a sua extensão o malefício causado pela Kerkaporta (a pequena porta esquecida da muralha de Constantinopla), nessa hora fatídica do Destino; nunca o mundo espiritual poderá avaliar quão grandes foram as irreparáveis perdas devidas aos saques de Roma, Alexandria e Bizâncio.»

Stefan Zweig nasceu em Viena em1881, o mesmo ano em que nasceram Picasso e Béla Bartók. De ascendência judaica, filho de um industrial, estudou História, Literatura e Filosofia. O seu sucesso literário foi precoce, sendo considerado um dos mais importantes autores europeus da primeira metade do século XX. Dedicou-se a quase todas as formas literárias: foi poeta, ensaísta, dramaturgo, novelista, contista, historiador e biógrafo. Em todos os géneros procurou detectar, com profunda melancolia e uma lúcida visão humanista as forças do irracional no coração da natureza humana.

Com a ascensão do nazismo na Alemanha, a subida de Hitler ao poder em 1933 e a destruição das suas obras em Munique, vê-se forçado a partir para a Inglaterra, de onde viaja para o Brasil em 1936 e depois para os Estados Unidos da América, tendo visitado Portugal em 1938.

Desencantado com o mundo de então escreve a Romain Rolland em 1939, onde afirma: “Não vejo qualquer saída para este lamaçal”. Em 1940 regressa ao Brasil e deixa definitivamente o mundo em 1942, na companhia de sua mulher Lotte.

Seja Apoiante

O Estado com Arte Magazine é uma publicação on-line que vive do apoio dos seus leitores. Se gostou deste artigo dê o seu donativo aqui:

PT50 0035 0183 0005 6967 3007 2

Partilhar

Talvez goste de..

Apoie o Jornalismo Independente

Pelo rigor e verdade Jornalistica