Por acaso tem por aí uns terrenos “rústicos”, onde a lei não permitia construir e nunca lhe passou pela cabeça que o pudesse vir a fazer? Pois então fique a saber que agora vai poder, mas prepare-se para ganhar dinheiro à séria, mas….desde que preencha alguns requisitos, claro, há sempre uns requisitos.
É que agora isto mudou, o governo fez o que nem o PS alguma vez ousou, mas o PS não está em desacordo com a mudança, até porque a “caixa de pandora”, uma vez aberta, vai ser um “maná” para todos, vamos a isto.
Foi alterado o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), com a famosa “Lei dos Solos”, possibilitando a construção em terrenos rústicos, inclusive em alguns que podem mesmo estar atualmente inseridos em áreas de REN – Reserva Ecológica Nacional e em RAN – Reserva Agrícola Nacional, nestes casos, haverá algumas exceções, em que continuará a não ser possível edificar, mas de resto, é a Assembleia Municipal do seu concelho que vai decidir se pode ou não pode construir. E quais as regras para essa decisão ser tomada?
Pois, isso não está definido, na verdade é mais ou menos uma espécie de “self-service”, o que significa que vamos passar a ter um (des)ordenamento do território a 308 tempos, tantos quantos os municípios que temos por aí, em suma, aquilo que era um “ordenamento” impraticável, super controlado por mais de vinte entidades, tantas quantas as que tinham que dar pareceres, por exemplo, sobre uma simples revisão de um Plano Diretor Municipal – PDM, que demora anos perdidos, agora esses instrumentos, como o PDM e outros, já não interessam para nada, o que importa agora é o foguetório da suposta “solução”, mais uma, como todas as outras de todos os governos, até porque as autárquicas estão aí à porta, mas na prática, simplesmente foram atirados ao lixo.
À boa maneira portuguesa, perante a incapacidade de se encontrar uma solução menos burocrática, mais prática, mais rápida, de “ordenamento do território”, eis que se abandalhou (e o termo é exatamente este) por completo os processos, o regabofe está instalado e passámos do 8 ao 80, assim, de qualquer maneira. Na verdade ninguém sabe exatamente como vai ser, mas os amigos já se acotovelam para tirar partido das amizades e obviamente, o dinheiro vai começar a jorrar por aí.
Se é uma pessoa influente e tem conhecimentos nos meios político / partidários do seu concelho, aquilo que em português corrente se costuma dizer, se é um tipo que se mexe bem, é meio caminho andado. Mais coisa menos coisa, a coisa faz-se, porque é a Assembleia Municipal, por proposta da Câmara, que vai decidir se vão deixar construir no seu terreno, ou não e isso só depende exatamente da sua capacidade de influenciar o pessoal lá da Câmara e por contágio o da Assembleia, simples de perceber e de executar. Se tem que pagar alguma coisa a alguém? Não, não, não, nada disso e alguém está aqui a falar de corrupção? Era só o que faltava, até porque nos custa a todos a acreditar que isso exista.
Certo, é que nunca foi tão apetecível ser deputado municipal. Já agora, quantas pessoas estão lá nas Assembleias Municipais, habilitadas e capacitadas a tratar destas matérias? 1%, 2%, tanto? Há também uma via alternativa no sistema, que pode utilizar e resulta quase sempre, uma vez que estão aí à porta as eleições autárquicas e o dinheiro é uma coisa que eles recebem sempre de bom grado, também pode fazer um donativo generoso para a campanha eleitoral, uma coisa que até é legal e garantidamente o “partido” a quem a fez, não se esquecerá mais de si e na hora de escolher o tal terreno rústico para passar a urbano, o seu estará na primeira linha.
Eles dizem que esta mudança da legislação visa aumentar o número de terrenos com possibilidade construtiva e assim contribuir para a redução do custo da construção / habitação, o problema é que isto é absolutamente falso e eles sabem.
Está calculado e não fui eu que calculei, que a capacidade construtiva da totalidade das áreas urbanas atualmente existentes nos somatórios dos PDM(s), uma vez totalmente construídas, dariam para quase triplicar a população portuguesa, pelo que se prova que o problema da habitação não é a falta de terrenos, nunca foi.
O problema é o custo da construção, que é resultante da adição de cinco componentes: materiais + mão-de-obra + impostos + lucro das empresas + terreno (que significa apenas cerca de 10 a 15%), como nenhuma delas é expectável que venha a baixar, pelo contrário, só há uma maneira do o fazer, que passa pela utilização de materiais de mais baixa qualidade e preço inferior, por exemplo nos isolamentos, a sustentabilidade energética vai às malvas e consequentemente com a menor qualidade de vida dos moradores, se é isto que se pretende, então estamos no caminho certo.
A lei agora aprovada é uma via aberta para igualar os preços dos terrenos agora “rústicos”, aos “urbanos” e isto sim, chama-se inflacionar por decreto. Até porque todos sabemos como funciona o mercado, especialmente em meios pequenos, é que se o Toino da Miquelina vendeu um terreno lá em cima ao pé do cruzeiro, a mil, o Chico Esgravulha vai querer vender o dele a mil e cem, porque não pode ficar atrás a fazer figura de trouxa lá na aldeia. É assim que sempre funcionou e irá funcionar.
Se quisessem de facto baixar os preços da habitação, tratavam do mercado de arrendamento e então sim, milhares de casas devolutas entrariam no mercado, juntamente com novos investimentos, a preços ao alcance do cidadão comum e a solução consiste em estabelecer condições que ofereçam confiança aos proprietários dessas casas devolutas, que estão fora do mercado.
A solução está no arrendamento e não na aquisição, mas os proprietários têm que ter a certeza de que no final do último dia do contrato a casa volta efetivamente para a sua posse, sem qualquer subterfúgio e também têm que ter a garantia de que recebem as rendas em tempo útil, sem processos que se arrastam nos miseráveis tribunais durante anos, enquanto a dívida aumenta todos os meses. Então teremos milhares de casas no mercado de arrendamento.
O problema é que o legislador, leia-se os sucessivos governos, são compostos na sua esmagadora maioria por gente incompetente, sem conhecimentos, nem capacidade para conhecer os problemas e muito menos para encontrar soluções. Enquanto isso, vamos tendo supostas “soluções” que visam apenas entreter eleitor distraído e crente naquela gente.