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Carlos Blanco de Morais. “É claro que a política draconiana de tarifas não será aplicada”

Marta Roque

 A tomada de posse do novo Presidente norte-americano deu um “forte sinal político simbólico em matéria de alianças, privilegiando ostensivamente” os seus parceiros ideológicos conservadores, Meloni, Orbán e todos os líderes partidários soberanistas da direita radical, incluindo Ventura, admite Carlos Blanco de Morais, catedrático de Direito da Universidade de Direito de Lisboa. O docente nesta entrevista ao Estado com Arte Magazine acredita que terminado o show-off da posse e dias seguintes, será inevitável que Trump mantenha a relação “sweet and sour” com Macron e que se venha a entender com Merz, o provável novo primeiro-ministro alemão.

O catedrático da U.L. considera que Trump quer acabar com a guerra da Ucrânia e “acertar formas mínimas de entendimento com Putin numa nova configuração geopolítica que envolverá a garantia de áreas de influência”.

– Que desafios para UE com a nova administração Trump? A UE não se fez representar na tomada de posse por nenhum líder, apenas Meloni.

A ausência de referências à União Europeia nos seus discursos de posse e outras intervenções conexas fala por si. Trump ignorou a União Europeia deliberadamente. A União Europeia, como diz, não se fez representar, porque nem a Presidente da Comissão nem o Presidente do Conselho foram convidados por Trump.

Esta sinalética faz prever que Trump vai desvalorizar a relação direta com a União Europeia no contexto de um novo alinhamento geoestratégico entre grandes blocos políticos e político-militares internacionais onde avultarão a Rússia e a China. Trump terá de lidar não apenas com a atual aliança informal Sino-Russa ( a qual pretende deslaçar), mas também com prolongamento desta para sul, personificado nos Brics+, onde conta inimigos como o Irão e supostos aliados como a Arábia Saudita e a India. Nesta equação a União Europeia será, como tal, um player menos relevante, no sentido de Washington se dispor a tomar medidas sem concertar previamente posições com Bruxelas.

Para a União, o desafio principal consiste no facto de o Presidente Trump, no plano político, preferir apostar mais em relações bilaterais do que no aprofundamento de relações institucionais com a própria União, sem prejuízo dos acordos de ordem económica que se mostrarem indispensáveis.

Para isso, o novo Presidente deu um forte sinal político simbólico em matéria de alianças, privilegiando ostensivamente os seus parceiros ideológicos conservadores, convidando não apenas Meloni, mas Orbán e todos os líderes partidários soberanistas da direita radical, incluindo Ventura. Nesta área, não foi apenas convidada Marine Le Pen como retaliação por o não ter apoiado num ato eleitoral. Trump não esquece…

Para Carlos Blanco de Morais apesar de a política migratória de Trump parecer “muito firme” que começou com o estado de emergência fronteiriça, julga ser “impossível” deportar 12 milhões de pessoas.

Como é que a Europa se vai posicionar face a nova administração com a crise politica da França e Alemanha? 

A liderança da União, comprimida entre a Rússia e os Estados Unidos, com o motor franco-alemão gripado e débil peso internacional do triunvirato Costa – Von der Leyen – Kaja Kallas, tentará responder como sempre respondeu: um novo salto em frente numa marcha federalizante, mormente no plano da defesa. Veremos se existe maioria política para o efeito

A estratégia de Trump parece ser a de dividir essa Europa. O facto de Steamer, Scholz ou Macron, líderes não terem sido convidados para a posse, em contraponto a líderes de direita radical de todo o mundo, é um sinal de desvalorização e algum desdém pelas atuais lideranças europeias.

Mas Trump é, sobretudo, um homem de negócios, com uma acentuada imprevisibilidade e uma razoável dose de pragmatismo, pelo que, terminado o show-off da posse e dias seguintes, será inevitável que mantenha a relação “sweet and sour” com Macron e que se venha a entender com Merz, o provável novo primeiro-ministro alemão. A Alemanha, no fim de contas, é o mais poderoso estado europeu, os Estados Unidos têm aí tropas estacionadas e existem muitos interesses económicos em jogo, de parte a parte. Por exemplo, o novo governo alemão vai tentar salvar a qualquer preço a sua indústria automóvel e veremos se arranjos bilaterais na matéria entre os Estados Unidos e a Alemanha não irão acentuar divisões com a liderança coletiva da União Europeia

Considera que existem moderados nesta nova administração de Trump? 
Acho que, como uma vez afirmei na SIC, a nova administração, onde a representação feminina foi reforçada, é uma gaiola de falcões e não será simples nela manter uma autoridade efetiva. Talvez a Senhora Susie Wiles uma estratega dura, fria e experiente se faça respeitar com o apoio do Presidente. Este, bem precisa de uma espécie de “primeiro-ministro” que se imponha, já que a sua primeira administração foi um desastre em termos de governabilidade nos primeiros anos. Quiçá a nova “dama de ferro”, discreta, mas eficaz, o consiga.

Não me parece que haja muitos moderados nesta equipa. Talvez Pam Bondi do departamento de justiça que fez uma sustentação firme e racional durante as audições no Senado; Marco Rubio o novo Secretário de Estado, que já enfrentou Trump como candidato à Presidência e tem uma visão própria sobre política externa; Scott Turner, o afro-americano da área da Habitação e Urbanismo; e mesmo o próprio Robert Kennedy excetuando o negacionismo das vacinas e outras excentricidades; e Lori Chavez, na área do Trabalho, já que numa eleição no Oregon foi apoiada fortemente por sindicatos.

Vai ser possível executar o programa de Trump nos primeiros 2 anos de mandato?
Por exemplo a deportação de 12 milhões de imigrantes 

Será fundamental que execute uma boa parte do seu programa nos próximos 2 anos, enquanto goza de uma maioria ténue, mas mais disciplinada do que no seu primeiro mandato, nas duas Câmaras do Congresso. Depois disso este será renovado, e não se sabe se o presidente manterá essa maioria. Se lograr aprovar legislação decisiva até lá, poderá passar os dois anos seguintes a executar essa legislação mesmo que perca a maioria parlamentar. Pode nesse caso vetar leis de sentido contrário que atentem contra as suas reformas, tanto mais que o veto exige uma maioria de dois terços para a sua reversão.

É claro que a política draconiana de tarifas não será aplicada, em definitivo, nos termos que anunciou, sem prejuízo de algum brandir de sabres inicial, sob pena de uma espiral inflacionista, a qual contrariaria os seus planos de redução da inflação. Operará, sobretudo, como arma negocial para tentar reequilibrar a balança comercial com o bloco europeu e outros Estados, nomeadamente o México, o Canadá e a China.

Quanto à política migratória, que me parece muito firme, e começou com o estado de emergência fronteiriça, julgo ser impossível deportar tanta gente. Nem metade. Haverá reações violentas de rua, resistência de municípios democratas e cobertura hostil dos media contra uma política figurada como repressiva, com imagens de famílias separadas, crianças a chorar que terão impacto público. Julgo, todavia, que a expulsão de marginais , criminosos, ilegais sem ocupação correrá célere. Haverá maior dificuldade com os ilegais com emprego. Uma parte dos dreamers pode escapar.

Todavia, as fronteiras irão fechar-se e a reconstrução do muro continuará. O poder dos juízes locais em precludir deportações irá enfraquecer, mas primeiro ocorrerão algumas batalhas judiciais, com a Administração a ter uma representação reforçada nos tribunais.

A seu ver que desfecho prepara Trump para a guerra da Ucrânia? 

Ainda hoje Marco Rubio, o novo Secretário de Estado, referiu que a Rússia e a Ucrânia terão de “abdicar de alguma coisa”.

A Rússia não é Israel e tem um poder negocial mais muito mais forte. Trump terá de negociar, não impor, um cessar-fogo e este, quando ocorrer, quiçá dentro de meses, congelará temporalmente um “status quo” no Donbass favorável aos avanços russos. Haverá, talvez, garantias sobre a preclusão da entrada da Ucrânia na NATO, sobre a intangibilidade territorial remanescente, sobre a salvaguarda da sua adesão à União europeia e sobre algum apoio para a reconstrução. Nesse contexto, a posição de Zelenski, um líder em tempo de guerra cujo mandato já expirou, ficará debilitada. Trump quer acabar com a guerra e acertar formas mínimas de entendimento com Putin numa nova configuração geopolítica que envolverá a garantia de áreas de influência. A ocorrer este cenário a União Europeia sofreria uma derrota, tanto mais que não teria força para suportar sozinha a continuação da guerra. A própria NATO experimentaria um segundo revês depois do colapso do Afeganistão.

Como vê os oligarcas anunciados por Biden no poder? Referia-se a uma maior fusão da economia, política e tecnologia?

Francamente, nunca assisti a tantos conflitos de interesse em qualquer Estado democrático, entre Presidente, os senhores de Sillicon Valley e Musk, o qual mistura ostensivamente os seus interesses económicos com o cargo.
Acho que, tirando o mesmo Elon Musk que é um míssil sem controlo e que tem um ambicioso projeto ideológico ligado à direita soberanista radical, o apoio de liberais como Bezos e Zuckenberg é puramente comercial e tático, atento o facto de o vento ter mudado. Haverá, aqui, seguramente um “boosting” à economia pela tecnologia digital que poderá ter como limite a volatilidade dos bitcoins.

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