Os desafios e obstáculos que discriminam a mulher no mundo do trabalho têm sido descritos com recurso a diversas metáforas. Uma das mais conhecidas é o chamado “tecto de vidro” (glass ceiling), um termo criado pela socióloga Marilyn Loden, em 1978, durante uma palestra sobre as ambições profissionais das mulheres. A expressão foi vulgarizada por Carol Hymowitz e Timothy Schellhardt, num artigo do Wall Street Journal, com o título “O Tecto de Vidro: Por que as Mulheres não Conseguem Quebrar a Barreira Invisível que as Impede de Ocupar os Cargos Mais Elevados”.
O conceito designa a barreira invisível, mas difícil de ultrapassar, que impede as mulheres de atingirem os lugares de topo nas organizações. É uma forma de discriminação vertical, apoiada em estereótipos sobre os papéis de género e normas organizacionais profundamente enraizados, que desvalorizam a capacidade da mulher para exercer a liderança aos níveis mais elevados, mesmo quando tem competências e experiência iguais ao homem. A Comissão Federal do Tecto de Vidro, dos Estados Unidos, definiu-o como “uma barreira invisível, mas intransponível, que impede as minorias e as mulheres de alcançarem os lugares mais elevados na hierarquia das organizações, independentemente de suas qualificações ou desempenhos”.
Trata-se de uma barreira invisível, porque não existem nem leis, nem normas oficiais que impeçam ou imponham restrições a que as mulheres ocupem as posições de liderança de topo. No entanto, essas barreiras existem e, apesar dos progressos conseguidos nos últimos anos, os dados indicam que o salário médio das mulheres é 80% do salário dos homens e pouco mais de 10% das 500 maiores da Fortune são lideradas por mulheres.
David Cotter e cols. (The glass ceiling effect, 2001) definiram as quatro situações que denunciam a existência de um “tecto de vidro”: diferenças de género que não são explicadas pelas competências do colaborador, desigualdades de género que aumentam ao longo da carreira, desigualdades de género na probabilidade de subir para os lugares mais elevados e maiores diferenças de género nos desempenhos mais elevados do que nos desempenhos mais baixos.
O jornal The Economist publica anualmente The Glass-Ceiling Index que mede a igualdade de género no mercado de trabalho nos 29 países da OCDE, combinando dados sobre o nível educacional, participação na força de trabalho, salário, direitos de maternidade e paternidade, formação profissional e representação em cargos de topo. Segundo os dados de 2024, Portugal ocupa o 6º lugar, localizando-se acima da média. No entanto, segundo o Índice para a Igualdade de Género 2024, do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, Portugal foi o único país da UE que baixou a pontuação, caindo cinco lugares para a 14ª posição.
A queda deve-se sobretudo ao aumento das desigualdades de género nos subdomínios da segregação e qualidade do trabalho. O relatório nota que a participação das mulheres nas conselhos de administração das maiores empresas cotadas aumentou, no último ano, de 33% para 35%, e que na globalidade Portugal tem vindo a recuperar o atraso em relação aos outros estados membros.
Por contraposição ao conceito de “tecto de vidro”, Catherine White Berheide, num artigo que publicou em 1992 (Women Still ‘Stuck’ in Low-Level Job), identificou outro obstáculo à carreira das mulheres, o “chão adesivo” (sticky floor), para designar a condição das mulheres que estão “coladas” a empregos com baixos salários e sem alternativas de mobilidade. Uma investigação de campo conduzida pela autora mostrou que muitas mulheres eram vítimas de uma segregação horizontal que as confinava às actividades domésticas e à “economia do cuidado”, com empregos desqualificados e mal remunerados, enquanto os homens tinham empregos nos sectores primário e secundário com melhores salários. O “chão adesivo” é uma barreira criada pela “economia sexista”, como alguns referem, que reflecte preconceitos de género e gera grandes disparidades entre homem e mulher.
Em 2005 dois professores da Universidade de Exeter, Michelle Ryan e Alexander Haslam, ainda inspirados no “tecto de vidro”, criaram a expressão “penhasco de vidro” (The glass cliff: evidence that women are over-represented in precarious leadership positions, 2005). O conceito nasceu de uma investigação em que avaliaram o desempenho das 100 empresas cotadas no FTSE Index, de Londres, antes e depois da nomeação de novos membros do conselho de administração, e perceberam que as empresas que tinham tido mau desempenho continuado nos cinco meses anteriores nomeavam mulheres para as administrações.
Os autores concluíram que as mulheres tendem a ser promovidas à liderança de topo em períodos de crise, de recessão ou após escândalos, quando o risco e a probabilidade de insucesso é maior, o que equivale a colocá-las “à beira do precipício”. Outras pesquisas também indicam que as mulheres têm mais probabilidade de ser nomeadas durante crises que requerem as intervenções do Fundo Monetário Internacional ou em situações de crise nas administrações autárquicas.
Há várias explicações para este facto, algumas um tanto maquiavélicas. Há quem defenda que a mulher é mais eficaz na gestão de crises porque está mais orientada para as pessoas, como se viu durante a pandemia de COVID-19. Outros defendem que em tempos de crise as empresas pretendem apenas sinalizar aos investidores a vontade de mudança e querem poupar os homens ao fracasso, dando a imagem de progressistas por terem nomeado uma mulher e, se houver insucesso, têm boas razões para a substituir por um homem…
O “labirinto de vidro” é outra metáfora criada por Alice Eagly e Linda Carli (Women and the labirinth of leadership, 2007) para integrar os conceitos anteriores. As autoras defendem que o conceito de “tecto de vidro” é redutor, porque só refere os obstáculos no acesso aos níveis mais elevados da carreira. Não incorpora a complexidade e diversidade de desafios que a mulher enfrenta até lá chegar. O labirinto representa a ideia de um percurso de carreira difícil, que exige persistência, cheio de curvas e impasses inesperados, e que requere uma análise cuidadosa dos desafios presentes e seguintes. O labirinto confronta a mulher com obstáculos sócio-culturais, como o peso das responsabilidades familiares, a falta de apoio das organizações e políticas desajustadas.
A metáfora da “escada rolante de vidro” (glass escalator) foi proposta pela socióloga Christine Williams (The glass escalator: hidden advantages for men in the “female” professions, 1992) para descrever o facto de os homens subirem rapidamente aos lugares de liderança em organizações do ensino, da saúde e da assistência social, onde as mulheres são maioritárias. As possíveis explicações estão no facto de os homens ganharem maior visibilidade nas organizações onde são minoritários e uma parte das mulheres evitarem cargos de gestão, apoiando os candidatos masculinos por julgarem que as funções de liderança lhes estão destinadas. Sabe-se também que há casos em que as directoras adoptam atitudes masculinas na liderança e apoiam o acesso dos homens a essas posições, prolongando a dominância masculina.
Mais recentemente Insch, McIntyre e Napier criaram a expressão “fronteiras de vidro” (glass borders) (The Expatriate Glass Ceiling: The Second Layer of Glass, 2008) para designar as barreiras invisíveis que as mulheres enfrentam para desempenhar funções de liderança a nível internacional, começando pela falta de patrocínio e apoio corporativo. Segundo este estudo, as mulheres são menos indicadas para funções internacionais mesmo quando têm as mesmas qualificações que os homens, as barreiras da vida familiar impedem-nas de aceitar missões internacionais, e há também normas culturais e preconceitos de género que dificultam a sua aceitação em alguns países.
Ao contrário destes obstáculos que os homens colocam às mulheres, a metáfora da “abelha rainha” (queen bee) significa as barreiras que as mulheres colocam a elas próprias. Este fenómeno foi descrito em 1973 por Staines, Jayaratne e Travis (The queen bee syndrome), como a tendência de algumas mulheres que conseguem alcançar os níveis mais elevados de liderança, para reproduzirem os comportamentos machistas, impedindo que outras mulheres ascendam aos níveis superiores de liderança por receio de perderem o poder. Segundo alguns autores, a “síndrome da abelha rainha” pode explicar porque razão muitas mulheres são mais exigentes com pessoas do seu género, acham mais desgastante liderar mulheres e preferem ser lideradas por… homens.
Barreira organizacionais à liderança da mulher
O equilíbrio de género no desempenho de funções de liderança coloca à mulher dois tipos de obstáculos: obstáculos psicossociais relacionados com os estereótipos de género e os preconceitos que lhe estão associados e, por outro lado, as barreiras que lhe são colocadas pelas políticas e práticas nos locais de trabalho. Os primeiros já foram anteriormente abordados. Analisamos agora as principais barreiras organizacionais associadas ao contexto de trabalho que incluem a cultura da organização, a representação demográfica dos géneros, as políticas de gestão de pessoas, as oportunidades de network e a conciliação do trabalho com a vida pessoal.
Cultura Organizacional. A cultura organizacional é o sistema de valores, crenças e práticas partilhadas que determinam a forma como os membros duma organização trabalham e interagem, incluindo a maneira como percebem os papéis de género. Muitos locais de trabalho têm culturas que favorecem estilos de liderança masculinos e dão prioridade aos homens na progressão na carreira, criando um ambiente onde as mulheres se sentem indesejadas ou com um papel secundário.
As chamadas “culturas masculinas” protegem o poder do homem e cultivam os atributos da masculinidade reforçando a orientação para as tarefas, o pensamento analítico, a competição e a capacidade física, minimizando a comunicação em rede e o apoio às pessoas. Preferem os lideres assertivos, competitivos e orientados para resultados. Estas exigências são diferentes das características dominantes no comportamento feminino, fazendo com que a identidade do líder se oponha à identidade da mulher. Deste modo, os homens continuam a preferir outros homens para desempenhar funções de liderança, evitando que as mulheres aspirem a desempenhar essas funções. A masculinização da liderança é uma barreira ao acesso das mulheres à liderança, que muitas vez é agravada com o facto de coexistir com a visão tradicional do papel da mulher ligada às funções de cuidadora.
Nas culturas organizacionais masculinas as mulheres são vistas como menos competentes para exercer funções de liderança e tendem a ser avaliadas por critérios mais exigentes para lhe serem reconhecidas as competências necessárias. Têm menos modelos de referência e menos oportunidades de mentoria e de network para obterem apoios à sua evolução de carreira. Estas culturas tendem a valorizar a disponibilidade e a mobilidade o que pode ser incompatível com as responsabilidades familiares. São também organizações onde por vezes domina um sexismo sistémico que se revela em práticas informais e preconceitos não assumidos, faltando políticas inclusivas como a flexibilidade de horários, o apoio à maternidade e o combate ao assédio.
Um traço da cultura organizacional que tem sido estudado é o enviesamento de género em cascata. Nas organizações dominantemente masculinas, a maioria dos líderes são homens e preferem trabalhar com quem partilha as suas atitudes e valores. As políticas e orientações vindas de cima representam a visão masculina da liderança, indicam os caminhos do sucesso interno e contagiam em cascata toda a organização, reduzindo a possibilidade das mulheres terem condições de trabalho, progressão e recompensa iguais aos homens.
As culturas com elevada coesão, traços culturais muito vincados e grande resistência à mudança, tendem a ser mais fechadas sobre si próprias e a exercerem pressão para a homogeneidade, excluindo pessoas e ideias que tragam diferentes perspectivas. Esta é outra razão porque as mulheres são marginalizadas em algumas organizações.
Falta de representação e de modelos de referência. A sub-representação da mulher em funções de liderança contribui para a discriminação de género. Quando as mulheres não observam outras como elas em papéis de liderança, não se sentem motivadas a desempenhar essas funções ou julgam que essas funções não lhes são acessíveis. Uma demografia profissional onde dominam os homens e não há mulheres a exercerem funções de liderança aos níveis mais elevados, faltam os modelos femininos e isso contribui para um sentimento de isolamento, limita as expectativas de progressão e afecta a formação da identidade profissional. A importância simbólica e comportamental dos modelos de identificação está bem documentada. Um número elevado de mulheres em funções de liderança influencia positivamente as aspirações de carreira, aumenta o sentimento de pertença e reduz a rotatividade.
No entanto, a existência de mulheres em minoria, em cargos de liderança de topo, pode aumentar o seu isolamento e visibilidade, e torná-las as representantes do género, reforçando o estereótipo negativo sobre as mulheres. É o fenómeno designado de “tokenismo”. O fenómeno observa-se quando há um grupo social ou culturalmente minoritário dentro de um grupo dominante. Os “tokens” obtêm uma atenção exagerada, as diferenças em relação ao grupo maioritário são acentuadas e os seus comportamentos são facilmente distorcidos para se conformar ao estereótipo.
Um conhecido estudo realizado numa empresa industrial, por Rosabeth Moss Kanter (Some effects of proportions on group life: skewed sex ratios and responses to Token women, 1977) mostrou que nas empresas com menos de 15% de mulheres nos níveis superiores de liderança, as outras mulheres estão menos inclinadas a identificar-se com elas e a legitimar o seu exemplo, e tendem a ter relações mais competitivas entre si. Pelo contrário, o equilíbrio de género na liderança de topo reduz os efeitos negativos dos estereótipos de género e promove o sentimento de pertença.
A mentoria pode desempenhar um papel crucial, permitindo, dada a escassez de modelos femininos, que as mulheres estabeleçam relações com outras mulheres que desempenham esses papéis e que podem servir de referências. A mentoria pode ainda proporcionar informações que ajudam a antecipar o desempenho e as avaliar as suas motivações e potencial. A falta de exemplos de sucesso pode levar a quebras na autoconfiança.
O apoio de um mentor, através do reforço e do feedback, é importante para vencer sentimentos de insegurança. Pode abrir o caminho a contactos profissionais e a oportunidades de formação e de emprego. Os mentores podem ajudar a desenvolver estratégias e a fornecer orientações práticas para lidar com os preconceitos de género e com os obstáculos da cultura organizacional, e facilitar a criação de grupos de mulheres que partilham objectivos de carreira, combatendo o isolamento e o pessimismo.
Um estudo recente realizado por Marina Tal, do Instituto Tecnológico de Israel (Gender perspectives on role models: Insights from STEM students and professionals, 2024), mostrou a importância dos modelos na motivação das mulheres para escolherem e prosseguirem carreiras na área das tecnologias, e provou que a influência dos modelos é maior nas mulheres do que nos homens. Os resultados apoiam a Teoria Social Cognitiva da Carreira que defende que a modelação de papéis é determinante na motivação intrínseca de uma actividade profissional.
Outro estudo recente de Monica Schneider e cols. (Role model do no HARM: Modeling achievable success inspires social belonging and women’s candidate emergence, 2023) mostra a influencia dos modelos na escolha de funções de liderança política. As mulheres estão mais inclinadas a candidatar-se a funções políticas quando têm modelos com quem estabelecem uma relação de pertença e são percebidos como modelos alcançáveis.
Este último aspecto é importante. Na área da liderança, a exposição a casos contra-estereotípicos de mulheres de sucesso, sobretudo através dos media, é particularmente eficaz para combater os efeitos destrutivos da ameaça de estereótipo. Contudo, a comparação com modelos fortes, percebidos como inalcançáveis, pode ter efeitos contrários, levando a pessoa a desconfiar das suas capacidades. O estudo destaca ainda o papel mediador das motivações individuais. As mulheres com motivações mais competitivas reagem mais intensamente ao processo de modelação.
Políticas e práticas discriminatórias na gestão das pessoas. A falta de políticas e práticas que promovam a igualdade de género, contribui para a discriminação de género, dificultando a progressão da mulher nas funções de liderança. Os vieses começam nos processos de recrutamento e de promoção na carreira, com a utilização de critérios que favorecem os candidatos do sexo masculino em detrimento de mulheres com iguais competências.
Um preconceito frequente é a ideia da falta de compromisso profissional da mulher quando está em idade fértil. O empregador assume que a mulher vai dar prioridade à vida familiar, o que pode levar a preteri-la na contratação ou promoção, prejudicando as muitas mulheres que conciliam eficazmente a profissão e a vida pessoal. No entanto, em muitos casos são preconceitos inconscientes usados de forma não controlada, e que se manifestam sob a forma de padrões de juízo e de acção, reflectindo os estereótipos e as teorias implícitas de personalidade que foram interiorizadas.
As decisões que se tomam, sobretudo em contextos de incerteza, envolvem automatismos ou formas de “pensamento rápido”, no conceito de Daniel Kahneman, que incluem associações de ideias e atalhos cognitivos desenvolvidos pela aprendizagem social. A ligação da liderança aos atributos masculinos da dominância, assertividade e competição são crenças incorporadas que se utilizam “naturalmente”, levando a decisões discriminatórias. Estas crenças estereotípicas afectam não só a avaliação das capacidades e do potencial de liderança das mulheres, como elevam os padrões de exigência na avaliação do seu desempenho profissional.
Alguns estudos indicam que as mulheres têm menos oportunidades de formação e desenvolvimento profissional do que os seus colegas. Têm menos acesso a programas de desenvolvimento em liderança, a novos desafios na área tecnológica e a projectos de importância estratégica que lhes dêem visibilidade, aspectos que são determinantes para a evolução na carreira.
Os obstáculos organizacionais também podem estar relacionados com modelos rígidos de prestação do trabalho que não respondem à necessidade da mulher conciliar a vida profissional com as responsabilidades familiares, ou com a ausência de práticas de apoio à parentalidade. Exigências em termos de disponibilidade e mobilidade geográfica podem desencorajar muitas mulheres a assumirem funções de liderança por as considerarem inconciliáveis com os compromissos pessoais.
Equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Um dos maiores obstáculos que a mulher tem que enfrentar para exercer funções de liderança é conciliação das responsabilidades profissionais e pessoais, e a percepção que alguns empregadores têm de que as mulheres estão menos comprometidas com os seus empregos devido às obrigações familiares.
Apesar de ter aumentado o número de mulheres que consegue o equilíbrio entre profissão e trabalho, e o número de casais que mantêm carreiras profissionais em simultâneo, os papéis tradicionais de género continuam a atribuir prioritariamente à mulher o cuidado da família e as tarefas domésticas, e ao homem a actividade profissional. As mulheres continuam a dedicar mais tempo que os maridos a cuidar dos filhos e a realizar tarefas em casa, e têm mais dificuldade em abandonar as responsabilidades familiares quando o trabalho exige. Têm, por isso, menos flexibilidade geográfica evitando funções e responsabilidades que envolvam a expatriação ou a ausência da família, o que as limita no desempenho de cargos de liderança internacional.
Os conflitos trabalho-família têm repercussões físicas e psicológicas: aumentam o stresse no trabalho e a possibilidade de burnout, reduzem o compromisso com a organização, a satisfação com o trabalho e com a vida, podem afectar o apetite e o sono, e aumentar a intenção de deixar o emprego.
Um estudo recente, realizado por Mellina Stephan, numa amostra de mulheres que trabalhavam em tecnologias da informação (Impact of work life balance on the quality of life of women employees in it sector, 2024), mostrou que as mulheres continuam a enfrentar a pressão dos papéis de género no sentido de assumirem mais responsabilidades de cuidado do que os homens, e que a incapacidade de encontrar um equilíbrio entre profissão e família tinha impactos na saúde física e mental. As mulheres que deram prioridade à vida familiar tiveram uma progressão mais lenta na carreira do que os homens do mesmo nível profissional.
Os dados deste e de outros estudos indicam que o problema da conciliação da profissão com a vida familiar ultrapassa as fronteiras das organizações e só parcialmente pode ser resolvido por políticas de inclusão. Uma parte importante dos condicionalismos estão na distribuição tradicional das funções no seio da família, na educação que levou à interiorização de deveres familiares diferentes no homem e na mulher e à pressão social dos círculos próximos para responderem às expectativas estereotípicas. A mudança necessária não é apenas nas políticas e culturas organizacionais, mas sobretudo no complexo sistema de crenças que condicionam os comportamentos de género e a forma como são percepcionados.
Oportunidades limitadas de network. A mulher tem menos oportunidades de fazer networking e construir relações com colegas influentes. O networking é crucial para ganhar visibilidade e obter apoios, sem os quais é mais difícil a progressão na carreira e o acesso a funções de liderança.
Há vários obstáculos que dificultam a participação da mulher nas redes de relacionamento informal e na obtenção de apoios à promoção. O primeiro deles está no facto da mulher ser menos favorável ao network e aos contactos pessoais que lhe dão visibilidade profissional, encarando estas iniciativas como desajustadas à sua identidade de género, receando a crítica social e as interpretações ambíguas sobre as suas verdadeiras intenções. Evita a autopromoção e relacionamentos estratégicos com receio de parecer “falsa”, “oportunista” ou “demasiado ambiciosa”. As iniciativas no sentido de ganhar visibilidade social estão associadas ao estereótipo masculino e as que são promovidas pela mulher tendem a ser socialmente avaliadas de forma negativa e vistas como pouco “naturais”. Há mesmo o risco de o envolvimento em relações interpessoais com o sexo oposto poderem ser mal interpretadas.
Alguns estudos também indicam que o homem e a mulher têm estilos diferentes de networking. Os homens tendem a construir redes de relacionamento mais amplas e fundadas em critérios de utilidade. As mulheres estabelecem relações mais baseadas na partilha de sentimentos e na confiança pessoal. São relações mais profundas mas com menor alcance estratégico para a ascensão profissional.
No entanto, ter o apoio de pessoas bem posicionadas na estrutura de poder é importante para o progresso na carreira. A mulher não só procura menos a relação com um sponsor como desenvolveu menos competências para estabelecer essa relação. Por outro lado, os homens em posições de liderança tendem a sponsorizar outros homens. Estudos de campo mostram que as mulheres que têm um sponsor têm uma probabilidade de mais 50% de estar satisfeitas com a sua progressão na carreira, comparadas com as que não conseguiram este apoio.
A cultura masculina que é dominante em muitas organizações também retira a mulher das redes informais de relacionamento aos níveis superiores de gestão. As amizades e cumplicidades da “velha guarda” reforçam a solidariedade masculina e criam barreiras de acesso às mulheres, cultivando critérios de progressão na carreira que mantêm a visão das qualidades masculinas do líder. Os espaços de networking tradicionais como jantares e viagens de negócios, a prática do golf e as confraternizações depois do trabalho tendem a excluir a mulher por conflituar com o seu papel de género na família. Alguns dados indicam que a influência feminina na cultura da organização só começa a sentir-se quando a percentagem de mulheres nos níveis de gestão ultrapassa os 25%.
O acesso às redes informais de relacionamento, nos níveis superiores de gestão, é também importante porque a progressão para lugares de liderança está sujeita a normas e comportamentos que não estão vertidos em preceitos formais. São normas implícitas e inacessíveis a muitos colaboradores, enraizadas na cultura organizacional, que são transmitidas em redes privilegiadas de comunicação a que só alguns têm acesso. As mulheres têm menos acesso ou estão mesmo excluídas destas redes informais onde circulam informações importantes sobre as competências e resultados que são valorizadas para ocupar determinados lugares, e os apoios mais influentes para os alcançar.
Sharon Gibson, da Universidade de St. Thomas, investigou este tema (The Developmental Relationships of Women Leaders in Career Transition: Implications for Leader Development , 2008), com a utilização de uma abordagem fenomenológica exploratória. Entrevistou um conjunto de mulheres com o objectivo de conhecer as suas percepções e sentimentos acerca das relações desenvolvimentistas que estabeleceram em contextos de transição de carreira. As participantes salientaram a importância do apoio e do reconhecimento que receberam, para manter a confiança durante o processo. Sentiram-se confortadas e compreendidas por trocarem experiências com pessoas que enfrentaram as mesmas dificuldades. Valorizaram em especial os conselhos e o feedback honesto e construtivo, de pares e mentores, que as ajudou a compreender os seus pontos fortes e a identificar estratégias de melhoria. As interacções que estabeleceram foram importantes para desenvolver os seus conhecimentos e competências, e adaptarem-se aos novos papéis que iam desempenhar.
Embora se tenham feito progressos significativos, na maior parte dos países, no sentido da igualdade de género, persistem muitas barreiras organizacionais à liderança das mulheres. São preconceitos implícitos que discriminam a mulher em processos de selecção e promoção, menos oportunidades de formação, de mentoria e networking, avaliações mais exigentes das capacidades de liderança, remuneração inferior, culturas organizacionais marcadas pela misoginia e o tokenismo, e falta de políticas de inclusão. Para uma grande parte das mulheres, a conciliação da profissão com os papéis na família continua a ser um dos principais obstáculos ao desempenho da liderança.
As organizações têm muito a fazer pela igualdade de género, mas a razão profunda destas barreiras está para além da sua esfera de acção. É preciso continuar a avaliar os nossos sistemas de crenças à luz do pensamento crítico e de valores universais. As barreiras à liderança da mulher, dentro e fora das organizações, não se abatem enquanto continuarmos a partilhar e transmitir crenças discriminatórias acerca do homem e da mulher. Só mudamos a realidade quando mudarmos aquilo em que acreditamos.