Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE, alerta para o tema da conciliação da vida familiar que ainda tem políticas pouco ajustadas à realidade familiar, a mulher tem menos possibilidades quando tem filhos a cargo.
Mas a “ponta do iceberg” dos problemas da desigualdade salarial apenas começa quando a mulher está gravida, “piora quando as crianças crescem.”
A lei da paridade “não é consequente” em Portugal, existe apenas 1 mulher presidente de Câmara em cada 10, os autarcas “preferem pagar a multa a cumprir” a lei, revela a reitora da universidade pública.
Defende a limitação de mandatos, e de cotas 50/50, acredita que são necessárias regras para haver uma “vontade de mudança.”
Na base de diferenças entre os homens e mulheres há “uma questão de poder, que se resolve com novas regras com voluntarismo e ações”, segundo Maria de Lurdes Rodrigues, sobre desigualdades salariais entre mulheres e homens na Conferência “As Mulheres e o 25 de abril – 50 anos de Democracia, 50 anos de Igualdade?”, na Assembleia da República, a 10 de outubro. No dia em que foi revelado o prémio Nobel de Economia, pela Academia Real de Ciências da Suécia, sobre os principais fatores das disparidades salariais entre homens e mulheres, concedido a Claudia Goldin, historiadora económica americana.
Maria de Lurdes Rodrigues, é a primeira mulher a assumir o cargo de reitora do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, foi antiga ministra da Educação de Sócrates e professora universitária, confessa que depois de ter assumido as funções de ministra de Educação ficou “mais feminista, mais defensora dos direitos das mulheres, mais consciente da discriminação da desigualdade, e da desigualdade a acesso a recursos internacionais e outros.”
Admite que beneficiou pelo facto de ser mulher, sentiu uma “discriminação positiva” por ser mulher. “Eu não posso dizer que alguma vez fui discriminada por ser mulher, pelo contrário em algumas ocasiões beneficiei. Quando fui convidada para ser ministra da educação, um dos argumentos era de que eu era mulher e não havia mais nenhuma no governo,” disse a antiga governante.
Exerceu funções de grande responsabilidade na carreira académica, mas onde recebeu “insultos” foi de facto na vida política, e na Assembleia da República.
“Sob o olhar tolerante da AR que tutela os aspectos da vida da instituição, mas que olhava com displicência para aquilo que eram chamados os apartes parlamentares, apartes de uma grosseria absolutamente intolerável. Não senti discriminação, mas sentia-me insultada, desde o que vestia, penteava o que dizia, etc. E isso era absolutamente inaceitável. As coisas podem ser bastante horríveis para as mulheres.”
Maria Lurdes Rodrigues aceita o repto de ser convidada para exercer funções governativas no meio de homens, “uso a palavra e faço ouvir a minha voz.”
Favorável a cotas
Há posições que considera importantes serem tomadas para a politica da igualdade de género, tais como as limitações de mandatos, e cotas de 50/50. Defende regras necessárias para uma vontade de mudança, é preciso “forçar quem cria as listas para olhar o mundo e ver como ele é”.
“A cultura também se modifica com regras”, defende Maria de Lurdes Rodrigues, ao contrario da afirmação de Manuela Ferreira Leite: a cultura não se decreta.
“Defendo cotas para as mulheres em lugares de responsabilidade, porque existe uma mulher de presidente de Câmara em cada 10. Os autarcas preferem pagar a multa a cumprir a lei da paridade.”
Considera que a lei da paridade não é consequente em Portugal, elege como exemplo o primeiro-ministro de Cabo Verde que teve sempre governos paritários de forma voluntária.
Ainda assim, afirma que “a lei das cotas tem feito um caminho”. São questões de poder, de tomada de decisão, “não podemos ser ingénuos de dizer que vai mudar, não muda.”
Diferenças de igualdade escolar
Quando Maria de Lurdes Rodrigues começou a lecionar na universidade as equipas de Reitor eram só de homens. As equipas de reitoria tinham uma atitude académica do poder, “chocava-me, tive de batalhar para ser reitora. Com humildade pedi apoio dos colegas.”
Existe um dado que considera importante na desigualdade escolar que verificou nos cursos de engenharia: as raparigas têm melhor performance, isso tem sido objecto de reflexão no ISCTE, segundo a reitora da universidade pública. Elas estão em maioria nas ciências, mas no ensino superior ainda há diferenças no acesso às engenharias. Há poucas interessadas na informática e telecomunicações.
Estudos recentes apontam diferentes sensibilidades de rapazes e raparigas para certas funções, o ISCTE fez um estudo sobre o que atrai mais as raparigas e rapazes nas profissões: elas gostam de resolução de problemas de pessoas; os rapazes gostam de fazer objectos, construir.
“Criámos cursos em que se combina como a informática atinge a resolução de problemas. Atingimos 50% de rapazes e raparigas nestes cursos que lançamos. Beneficiámos com homens em cursos de mulheres e vice-versa.” A docente alerta para a situação de “quando não se muda a vida com voluntarismos muda-se com violência.”
Políticas pouco ajustadas à realidade familiar
“A ponta do iceberg quanto às desigualdades salariais acontece quando a mulher está gravida, e piora quando as crianças crescem, diz a reitora do ISCTE”, por isso as políticas de infância “são insipientes”, considera ainda que as políticas de creches devem estar ao serviço das famílias. “As mulheres não alienaram nunca a sua responsabilidade.”
O tema da conciliação da vida familiar ainda tem políticas pouco ajustadas à realidade familiar, a mulher tem menos possibilidades quando tem filhos a cargo. Para uma mulher ter confiança precisa de alguém que vá buscar os filhos a escola, e que fique com eles em casa, é “1° passo para ficar mais livre.”
“Não chegam as leis, é preciso trabalhar nas instituições”, entende Maria de Lurdes Rodrigues e alerta para a situação da desigualdade salarial da mulher que “com a pandemia covid-19 só piorou”.