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Obviamente, precisamos de mais ética na Política

Sílvia Mangerona, Politóloga e Professora Universitária

Os últimos dias foram marcados pelas palavras do primeiro-ministro: “…obviamente, apresentei a minha demissão…”.  O discurso de António Costa, no passado dia 7 de novembro, marca o início de um processo para um novo ciclo de governação e chama-nos à reflexão sobre a responsabilidade e a ética na política.

António Costa sucumbiu depois de resistir a muitos escândalos políticos que envolveram vários membros dos seus governos. Desta vez, a investigação do Ministério Público e o eventual processo crime recai sobre si próprio e, por isso, decide sair. Muito se especulou sobre se teria sido a decisão certa, tendo em conta o pouco que se sabia sobre a acusação e tendo em conta, também, o garantido princípio jurídico de que todos somos inocentes até prova em contrário. Apesar disso, no momento da demissão, António Costa afirma que “a dignidade das funções de Primeiro-Ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, a sua boa conduta e, menos ainda, com a suspeita da prática de qualquer ato criminal.”

De facto, do ponto de vista ético, é incompatível a um primeiro-ministro continuar em funções sob suspeita. Quando a suspeição chega ao líder é o líder que, independentemente da sua efetiva responsabilidade ou culpa, deve prescindir das suas funções e posições de privilégio colocando o cargo à disposição.

E esta situação acontece em diversos cenários de liderança. Quando surge uma suspeita grave sobre um líder de uma equipa todo o projeto desenvolvido por ela é colocado em causa e, por isso, o líder deve ser substituído. Ao contrário da situação da suspeição sobre apenas um elemento da equipa que poderá ficar resolvida com a saída desse elemento, sendo ainda possível recuperar a idoneidade do projeto.

No cenário político e institucional é fundamental que os protagonistas saibam assumir as suas responsabilidades e obrigações éticas porque delas também depende o bom funcionamento das instituições do Estado e a boa imagem dos partidos políticos.

Apesar do princípio da presunção da inocência, a leitura e o impacto da opinião pública traz consequências políticas mais rápidas do que qualquer processo judicial. O tempo da política não é o mesmo tempo da justiça e, por isso, ainda que pareça injusto o afastamento de governantes apenas sob investigação, torna-se fundamental para a dignidade do cargo que se ocupa e para o respetivo reconhecimento por parte da opinião pública.

O primeiro-ministro tem sido, segundo a tradição que existe no nosso país, o líder do partido mais votado. Formalmente não votamos diretamente no primeiro-ministro, mas o nosso Chefe de Estado, tendo em conta os resultados das eleições, convida o líder do partido mais votado para formar governo. Desta forma, a legitimidade política do governo não é unicamente sustentada pelo voto, também depende da leitura do primeiro-ministro sobre a capacidade e responsabilidade dos ministros que escolhe e propõe ao Presidente da República.

Esta combinação de legitimidade do voto e mérito nem sempre foram bem sucedidas nos governos de António Costa.  As escolhas das personalidades indicadas para cada pasta ministerial foram, muitas vezes, desastrosas, pesadas para o executivo e acusadas de serem um “cheque” para pagamentos de favores partidários e pessoais. Para o bom funcionamento da democracia, é importante que os cidadãos reconheçam a existência de ética na atividade política e nos seus protagonistas.

Um estudo realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2022,  com o título – Ethics and integrity in politics: Perceptions, control, and impact –   procurou compreender as formas para reforçar a ética e a integridade na vida política, já que “os episódios de corrupção minam a credibilidade das principais instituições democráticas – partidos políticos, parlamento, governo – e contribuem para a erosão da confiança dos cidadãos na democracia.”

Os coordenadores do estudo, Luís de Sousa e Susana Coroado, concluíram, entre muitas outras coisas, que tal como sucede noutras democracias europeias, os portugueses valorizam a honestidade e são pouco tolerantes com a corrupção dos políticos.

Assim sendo, e tendo em conta que a corrupção é uma realidade, é urgente fortalecer a ética na política e renovar a esperança nas instituições. Todos os que ocupam cargos públicos – por eleição ou nomeação- devem assumir as responsabilidades que são inerentes, procurando desenvolver eticamente as suas funções e sempre que alguma má conduta pessoal aconteça, por dolo ou incúria, que se aja em conformidade e se assuma todas as responsabilidades de forma a proteger a credibilidade das instituições e a defesa do bem comum.

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