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19 Minutos para o amor

Alexandra Santos Figueiredo

Especial de Natal

 

O Hotel Pestana Palace, promove no dia 25 de dezembro, um almoço de Natal para pessoas em condição de sem abrigo. Uma iniciativa criada por João Paulo Reis, que acontece nas cavalariças deste hotel em Lisboa, onde mais de 300 pessoas carenciadas recebem apoio, e cerca de 80 voluntários dão a cara pela causa.

Além de uma refeição quente, os participantes do almoço têm direito a presentes, e à companhia dos voluntários, vivenciando assim uma troca de experiências sobre “o que é viver na rua”.

Fundador e voluntários, contam ao Estado com Arte Magazine que “muitas famílias não sendo sem abrigo, passam muitas dificuldades, pelo que vêm aqui usufruir do almoço de Natal.” Neste encontro, assiste-se a histórias “muito comoventes e para as quais, enquanto sociedade, todos devíamos olhar”.

Foi na noite de Natal, corria o ano de 2008. Alguns sem abrigo que deambulavam pela cidade aproximaram se do restaurante Meninos do Rio, na altura conhecido pela sua fantástica vista, e foram pedir uma refeição.

O dono, João Paulo Reis, disse-lhes que voltassem após os clientes saírem, e eles assim o fizeram. Nessa noite, João Paulo ficou a pensar no Natal daquelas pessoas, por isso pediu que “voltassem no próximo ano que teria uma refeição completa para todos”.

Desde então essa promessa cumpriu-se, e em 2009, os sem abrigo lisboetas, puderam usufruir de uma refeição quente, com direito a presentes, e ao mais importante, a companhia de quem participa na iniciativa, desde os voluntários, aos que entre si trocam experiências sobre o que é viver na rua.

Tudo começou naquela noite fria de dezembro. João Paulo recorda: “quando pedi ajuda para concretizar a iniciativa bastaram 19 minutos para choverem respostas”. Não fosse Portugal um país solidário quando se desencadeiam os gatilhos certos.

João Paulo Reis, fundador de almoço para pessoas sem abrigo com duas voluntárias no almoço de Natal no Hotel Palace

Na altura em que o Meninos do Rio fechou portas, o fundador da iniciativa teve um convite por parte do Pestana Palace para prosseguir com o evento dentro das majestosas cavalariças do hotel, e assim tem sido desde então.

Todos os anos, no dia mais especial do ano, as portas abrem-se para receber aqueles que por motivos alheios à sua vontade se viram privados dos locais onde um dia viveram.

Carlos é um sem-abrigo, que colabora ativamente com a iniciativa há vários anos, é ele quem mobiliza a comunidade que vive nas ruas para se dirigir ao Palace, ao almoço no dia de Natal.

Também Carlos tem a sua história de vida difícil, mas da qual evita falar. A voz trémula indicia alguma emoção quando se toca na palavra rua, onde “um dia foi parar”.

Diz que a maioria dos sem abrigo “se sente só e que por isso este convívio de almoço de Natal se torna tão importante para esta comunidade”. Carlos enfatiza que “a iniciativa devia ser todos os dias, mas é só uma vez por ano” e sente-se grato por “poder fazer parte de um evento em que têm um menu com 4 pratos diferentes e onde podem conversar.”

Sobre ele diz apenas que ficou sem teto no dia em que o senhorio resolveu vender o prédio onde outrora morou. “As rendas de hoje em dia são demasiado caras, por vezes consigo um quarto, mas nem sempre”.

Para ajudar a concretizar este evento que acolhe mais de 300 pessoas, existem cerca de 80 voluntários, pessoas que dão o seu tempo a esta causa, porque “acreditam nela e a vivem com intensidade” há vários anos. 

Voluntários: uma experiência “contagiante”

 

Joana Barros Costa, voluntária do almoço para sem abrigo, ao centro na foto, afirma ter “assistido a histórias muito comoventes e para as quais, enquanto sociedade, todos devíamos olhar”.

Joana Barros Costa é uma das voluntárias que colabora neste evento há já 11 anos. Joana afirma ter “assistido a histórias muito comoventes e para as quais, enquanto sociedade, todos devíamos olhar”. Diz sobre a iniciativa que “é muito válida e que é, sem dúvida, algo feito com alma, é um outro tipo de família que aqui encontramos, porque as pessoas já se conhecem, e porque nos dão muito mais que aquilo que lhes damos, devolvem-nos uma grande alegria,” sublinha com sentimento de gratidão.

Joana transparece o espírito que ali se vive. Há histórias muito diversas que “tocam quem as queira realmente escutar com coração”.

A voluntária conta que um dia se apercebeu que “uma senhora pedia para repetir várias vezes a sua refeição.” Descobriu mais adiante que ela não estava a comer nada, mas apenas a guardar em caixas para dar ao marido, que agora sabe se encontra inválido numa cama. Joana quis perceber onde esta pessoa morava, e admite que este tipo de acompanhamento “faz toda a diferença para se tentar ajudar quem realmente precisa”.

Conta ainda que num desses almoços de Natal, a colega Geraldine, também voluntária, trouxe para o local uma cabeleireira (iniciativa que agora faz parte do evento) diz que “nesse dia pôde testemunhar a alegria imensa de uma rapariga de vinte e poucos anos, apenas por ter a experiência de lhe lavarem e cortarem o cabelo.”

Ainda hoje Joana recorda a felicidade da jovem, bem como de “uma pessoa que ficou tão grata por lhe darem um sabonete de uma marca melhor que aqueles a que ela conseguia ter acesso.” E são de facto experiências tão simples quanto estas, que fazem a diferença para quem se encontra privado do mais elementar.

Equipa de voluntários do almoço de Natal no Hotel Palace

Por outro lado, este evento pode ser também uma experiência contagiante. A voluntária conta que “um investigador social estrangeiro fez-se passar por sem abrigo para ver como funcionava a iniciativa. A experiência foi sentida de forma tão positiva que se identificou e disse que iria copiar o modelo e o faria no seu país. São momentos de realização como este que fazem tudo valer a pena, apenas por sabermos que naquele momento, com a nossa intervenção e trabalho, conseguimos inspirar alguém que poderá ajudar mais pessoas.”

À semelhança de Carlos, também Joana corrobora que há muita gente na rua devido a adições e problemas familiares, mas a realidade atual “não é de todo apenas essa”.
A voluntária explica que “nos últimos anos, muitas pessoas agravaram o seu nível de vida e estão a passar dificuldades. Talvez devido ao aumento exponencial das rendas e ao custo de vida em geral, influenciado pela inflação.” Tudo isto numa conjuntura de guerras e crises económicas mundiais.

E prossegue descrevendo: “Temos já muitas famílias que não são sem abrigo, mas que passam muitas dificuldades, e por isso veem passar o Natal connosco.”

O Natal é tempo de solidariedade e de olharmos mais uns pelos outros, pelo que a criação de iniciativas (pelo Natal e fora desta época), pode ser uma de muitas soluções possíveis, para que quem precisa possa viver em condições mais dignas.

João Paulo Reis precisou apenas de 19 minutos para conseguir que o ajudassem a cumprir o desejo de levar amor a muitas pessoas. E quanto a si, de quanto tempo precisa para fazer algo por alguém já este Natal?

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