Caminhava pela berma do passeio, sempre no limite da vida. Ia, abstraída de tudo, a reparar nos detalhes da calçada portuguesa — tão bonita que ela é — com o seu granito rachado nas bordas para se fazer encaixar nos cantos.
Faz-me lembrar as bolas de espelhos: fragmentadas, mas inteiras, que põem as pessoas a mexer.
Naqueles dias, em que é o fantasma de mim a trocar as engrenagens do carro que me guia até à paragem. Quando me lembro de que: a calçada é, senão, um reflexo do estado de espírito da nossa alma.
A calçada, ao contrário de mim, está como nova, reluzente. Ou choveu de noite, ou acabaram de a substituir.
Pensei, para mim, como era estranho nem ter dado por conta dos trabalhadores enquanto a substituíam, vergados sob o chão que esculpiam e que me sustenta todos os dias.
Tão desprezível era a ignorância a que os tinha destinado. Culpa esta que acabei por atribuir ao piloto automático
que se prolonga durante estas últimas semanas.
A paragem está vazia. Que, até então, era o que essa manhã, de mais irregular, me tinha trazido. E o autocarro que se aproximava, lá de longe, vinha a abrir.
Eu, como sempre fazia, acenei-lhe. Não podia perder aquele, já estava atrasada. (Mas afinal, quando é que o meu relógio passou a bater quinze minutos atrás dos do resto do país?)
Ele não me vê e segue caminho. Ou então viu-me e continuou?