Anabela Branco Brígida, nomeada para melhor actriz nos prémios Euphoria 2025 pelo desempenho no filme “Na Mata dos Medos”, participa em “Tudo A Que Se Chama Nada”, uma adaptação de duas peças de teatro de Nathalie Sarraute: “Por tudo e por nada” e “Aqui está ela”. Uma encenação de Carla Bolito, no Teatro S. Luiz, de 11 a 26 de Janeiro.
Em “Por tudo e por nada”, dois homens quase terminam a sua longa relação de amizade por causa de uma frase; em “Aqui está ela”, um homem fica perturbado pela possibilidade de uma mulher ter ouvido uma conversa que ele acabou de ter com uma outra pessoa e pela ideia de que ela tenha ficado em desacordo com o que ouviu.
A junção destas peças procura acentuar o jogo das palavras no máximo do seu esplendor e no aparente e superficial “Nada” que as personagens vivem.
Nascida em Lisboa, com 53 anos, a actriz Anabela Branco Brígida, casada com o Realizador e Argumentista António Borges Correia, é mãe da jovem Escritora Diana Brígida Correia, de 24 anos (“Gin no Jardim”, “Os Libertistas”) e de Laura, com 21, estudante de Ciências da Comunicação.
Anabela Branco Brígida protagonizou em 2020, “A Mulher Sem Corpo”, a longa metragem de 80 minutos assinada pelo marido, que descreve inequivocamente depoimentos reais de mulheres vítimas de violência doméstica. A invisibilidade da vítima é simbolizada na tela através de uma porta a abrir e a fechar, uma cadeira a mexer, sem nunca se ver a mulher.
Cresceu nos Olivais, em Lisboa, zona que ternamente considera o seu “quintal” de infância, muito perto da actual FIL e Gare do Oriente. Aos dezoito anos, estreou-se na televisão no Clube Disney, durante a carreira participou em onze filmes e em 23 series e novelas nos vários canais de televisão nacionais, e em outras tantas curtas e peças de teatro.
Depois de várias personagens representadas, quem é a Anabela em casa?
Eu, em casa, sou uma pessoa perfeitamente normal. O facto de ser actriz não invalida quem eu possa ser em casa. Ou seja, sou uma pessoa comum que vai às compras, que organiza a logística da casa, que faz as limpezas. A lida natural e etc…Faço de tudo um pouco em família.
Na infância foi mais ou menos assim: “quando eu for grande quero ser actriz”?
Desde os meus cinco anos – é uma história recorrente que me contavam – eu dizia que tinha um sonho, que era muito difícil de realizar: ser actriz. Claramente que não é uma profissão fácil, é difícil mesmo, mas o sonho, esse, está realizado! Desde essa altura que tinha a consciência das dificuldades inerentes.
Como é contracenar com as duas filhas Laura e Diana na grande tela?
Tanto a Diana como a Laura fizeram parte do elenco d’”A Mulher Sem Corpo”. Durante o primeiro “confinamento”, produzimos uma curta-metragem familiar, ligeira, em que elas também participaram. Os filmes que o António faz são de autor. Ou seja, trabalha com o que tem mais próximo, mais intimista e, às vezes, as nossas filhas aparecem, nunca interferindo muito com o dia-a-dia delas nem com os objectivos que elas têm de vida. É uma forma de elas se integrarem num registo familiar.
Qual o papel feminino que mais gostou de ver representado?
Vou dizer quatro porque só um é pouco! Gostei imenso de ver a Anna Magnani como Camilla no filme “Le Carrosse D’or” (1952) do realizador Jean Renoir (1894 – 1979), é um filme lindíssimo, dos mais bonitos que já vi. Ela é uma actriz espetacular, desempenha o papel de uma artista de teatro itinerante e que não consegue encontrar um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. No fim, tem um discurso maravilhoso onde mistura o teatro com o cinema.
Gosto também muito da Giulietta Masina (como Gelsomina) no filme “La Estrada” (1954) do Fellini (1920 -1993), que, por coincidência, torna-se numa artista de estrada e apaixona-se pelo seu “patrão” que abusa um pouco da sua ingenuidade e da sua pureza. O que eu gosto nessas personagens é a verdade que elas transmitem!
A Gena Rowlands (como Myrtle Gordon) no filme “Opening Night” (1977) do John Cassavetes (1929 – 1989) é maravilhosa. E, por último, no filme “The Unbearable Lightness of Being” (1988) do realizador Philip Kaufman (1936 – ), a Juliette Binoche, no papel de Tereza, é brilhante. Deve ter sido o papel da vida dela e talvez o que a mais notabilizou.
Como vive as diferenças entre televisão, cinema e teatro?
As diferenças entre cinema, Teatro e Televisão têm mais a ver com os processos que cada uma destas vertentes têm. O Cinema tem mais tempo, é mais contemplativo, um plano pode demorar horas a fazer enquanto a Televisão é mais urgente na sua execução, podemos fazer 20 cenas num dia… o Teatro abre o pano é só temos um plano…e em direto, não há rede. A rede constrói-se nos ensaios. Cada um precisa de ferramentas diferentes mas acho que todos são desafiantes para um actor e é bom fazer esse exercício que cada um precisa.
Continua a ser um lugar remoto a vida idílica no teatro?
Pode ser um lugar remoto por ser cada vez mais uma arte diferente pela sua representação em direto. Cada vez mais o cinema, a televisão são vistas de uma forma completamente diferente. O cinema é visto em casa (se bem que o verdadeiro cinema pressupõe , na minha opinião, a sala de cinema), a Televisão vemos quando é o que queremos a qualquer hora… e o teatro continua com a sua ancestralidade no sentido que temos que nos deslocar, entrar numa sala, fazer todo esse ritual, que continua a ser o mesmo. Por isso, o Teatro tem esse lado sagrado de uma presença efetiva tanto da parte dos artistas como público.
“Tudo a Que Se Chama Nada” do início ao fim, ponto por ponto.
“Tudo a que se Chama Nada” é uma adaptação de textos da Nathalie Sarraute que não posso definir ponto por ponto, porque além de não o saber fazer, tiraria toda a magia do espectáculo e poderia induzir as pessoa em erro. É ir ver!
Que outros desafios estão a ser preparados?
Estou em pré-produção de alguns filmes como actriz e estou a desenvolver um projecto que tem a ver com todas as artes mas que ainda está no segredo do processo! Mas quando estiver mais adiantado terei todo o gosto e interesse em partilhar. É um projecto que estou a trabalhar há anos e tem muito investimento pessoal e humano.
O filme “ A Mulher Sem Corpo”, realizado pelo marido António Borges Correia, retrata intrinsecamente um tema pertinente e serio: A violência doméstica e a invisibilidade da vítima. Fale-nos de todo o processo do filme.
É um filme muito intenso acerca da violência doméstica. Talvez pela intensidade ser tão grande tenha ganho o prémio na competição do Fantasporto de 2021. Como o filme foi preparado com muita antecedência, começa-se a “cozinhar”, a ser desenhado na cabeça do realizador de uma maneira, na cabeça dos intérpretes de outra.
Fomos estando atentos ao que ia acontecendo na história e indagando outras. Neste caso, infelizmente, basta ver o noticiário diariamente para se perceber que é um tema recorrente. Infelizmente! É notório o pouco apoio às vítimas, provavelmente esse factor tem feito com que existam cada vez mais. As mulheres têm alguma dificuldade em fugir desse ciclo vicioso porque ficam muito dependentes do agressor. Estive muito atenta a esse fenómeno, fiz imensa pesquisa, o António, inclusive, entrevistou algumas vítimas de violência doméstica. Entrevistas essas que eu também fui acompanhando.
Tanto a Diana como a Laura fizeram parte do elenco d’”A Mulher Sem Corpo”. Durante o primeiro “confinamento”, produzimos uma curta-metragem familiar, ligeira, em que elas também participaram. Os filmes que o António faz são de autor. Ou seja, trabalha com o que tem mais próximo, mais intimista e, às vezes, as nossas filhas aparecem, nunca interferindo muito com o dia-a-dia delas nem com os objectivos que elas têm de vida. É uma forma de elas se integrarem num registo familiar.